Reforma Política: a agenda inacabada

O sistema, ao invés de viabilizar os objetivos constitucionais, incentiva algo que se procura coibir: a corrupção

Min. Luís Roberto Barroso | Ana Carolina Camargo Clève | José Laurindo de Souza Netto

Doze anos depois de escrever uma proposta de reforma política, Barroso continua acreditando que esta é uma agenda inacabada. O sistema político brasileiro produziu um perigoso descolamento entre a classe política e a sociedade civil. Contudo, a política numa democracia é gênero de primeira necessidade, sendo imprescindível melhorar sua qualidade.

Para o Ministro, a democracia possui três dimensões: i) representativa, cujo elemento central é o voto e cujos protagonistas são os agentes públicos eletivos; ii) constitucional, que consiste na limitação do poder e no respeito aos direitos fundamentais, tendo como protagonista o poder judiciário em cujo topo está o STF; e iii) deliberativa, que significa que a democracia não vive apenas do momento eleitoral do voto, mas de um debate público permanente, a propósito dos grandes temas nacionais. O protagonista é a sociedade como um todo.

É em razão dessa terceira dimensão que se faz necessário continuar o debate público sobre temas importantes. Para tanto, Barroso destaca que existem três objetivos que uma reforma política deve alcançar.

Primeiro, o Ministro defende que é preciso baratear o custo das eleições, afirmando que se trata, antes de tudo, de um problema aritmético, visto que o custo de uma campanha eleitoral não é compatível com os valores recebidos durante o curso do mandato, assim como impede o surgimento de novas lideranças.

Em segundo lugar, ressalta que é necessário o aumento da representatividade democrática, pois se observa um descolamento entre política e sociedade, causado também pelo próprio sistema eleitoral brasileiro. Um sistema em que o eleitor não tem de quem cobrar e o candidato não tem para quem prestar contas não funciona bem em termos de legitimidade e representatividade democrática.

Por último, defende um sistema eleitoral e partidário que facilite a governabilidade, já que com a atomização partidária, hoje, o presidente da república fica refém do Congresso, criando um presidencialismo de coalizão.

Assim, o problema está no sistema eleitoral e partidário, e não nas pessoas.

Barroso acredita, ainda, que deve ser atenuado o hiperpresidencialismo brasileiro, com a adoção de um modelo no qual o presidente seja eleito de modo direto, mas não conduza o varejo da política, feita por um primeiro-ministro indicado por ele, mas aprovado pelo Congresso Nacional.

O Ministro também defende a fórmula do voto distrital misto, pois permite a conciliação de diferentes visões, combinando o sistema majoritário e proporcional, o que ajuda a baratear o custo das eleições.

Para Barroso, o Brasil, apesar de viver um momento difícil, com uma certa onda de negatividade e crise na própria autoestima da cidadania, também vive um momento positivamente importante, de refundação, em que uma sociedade que se conscientizou está fazendo um esforço para criar um país com patamares mais elevados tanto na ética pública quanto na privada. Nesse sentido, ressaltou que o judiciário está mudando lentamente, e não linearmente.

Acerca da sub-representação feminina, Barroso afirmou que, embora acredite que as cotas são um sistema ruim, só se justificando quando há uma situação tão grave de injustiça histórica que é importante equalizá-la, seria capaz de aceitá-las circunstancialmente no caso das cotas femininas.

Acerca do financiamento privado, Barroso afirmou que, embora tenha votado pela inconstitucionalidade de doação por pessoas jurídicas em campanhas, ressalvou que, a seu ver, os participantes do financiamento eleitoral devem ser definidos através de uma decisão política, pelo Congresso. Ainda nesse contexto, o Ministro destaca que a política deve ser capaz de atrair as pessoas por meio de financiamento privado, vivendo sua emancipação e atraindo a cidadania. O protagonista da democracia deve ser o cidadão, e não o dinheiro.

Sobre o controle da justiça eleitoral nas opções disponibilizadas ao eleitor (cassação de mandatos), Barroso afirmou que é defensor da ficha limpa, pois o sistema induz, pelo seu custo, a prática de atos ilícitos.

Para encerrar, Barroso ressaltou que o Brasil vive um momento de depressão coletiva, o que chama de “autoinjustiça”, lembrando que, em apenas uma geração, já percorremos um grande caminho e com grande sucesso, derrotando a ditadura, hiperinflação e tendo vitórias excessivas contra a pobreza.

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Compliance eleitoral

Maria Cláudia Bucchianeri Pinheiro

Bucchianeri afirmou que, na atual modernidade líquida, experimentam-se momentos de profundo paradoxo: a internet afastou e aproximou as pessoas; nunca se teve tanto acesso à informação com tanta superficialidade. O livre espaço de debate das ideias se transformou em um grande espelho d’agua, superficial como uma lâmina, o qual convida a nadar em suas águas.

Numa sociedade de consumo, opta-se por soluções de prateleira, com rápida aceitação social e que caem como uma luva para nossos problemas. Mas, quando os problemas são profundos, soluções prontas podem se converter em luvas que não vão servir, como ocorrido no exemplo histórico do julgamento de OJ Simpson.

Os desafios do país exigem soluções maduras, pois é assim que, na visão de Bucchianeri, deve-se encarar o combate à corrupção, cuja percepção social já é altíssima e acabou por corroer a crença da sociedade na política, nos políticos e nos partidos.

Nesse ambiente surgiu o compliance, sem obrigatoriedade e com foco em empresas privadas com alta interação com o poder público.

Em um contexto de profunda descrença nos partidos e na democracia, aponta Bucchianeri que tratar do compliance foi fácil, pois a solução foi a retirada da prateleira: a lei de corrupção já seria aplicável diretamente aos partidos políticos, como se eles fossem pessoas jurídicas de direito privado como outras. No entanto, segundo Bucchianeri, essa visão é equivocada – tanto porque os partidos políticos não são pessoas jurídicas de direito privado como as demais, quanto porque as sanções da lei não lhes são aplicáveis.

Exemplificativamente, Bucchianeri asseverou que os crimes contidos na Lei Anticorrupção se relacionam com a participação em licitações e contratos públicos, de modo que as peculiaridades dos partidos exigem um design de compliance próprio a eles. Não fosse o bastante, os projetos de lei existentes para regular esta situação – de número 60 e 429 – também não seriam profícuos, porque transformariam a Justiça Eleitoral em mera verificadora dos seus funcionamentos.

A mera crítica, porém, não basta, e Bucchianeri sugere, então, que todo debate deve passar por três perguntas. Primeiramente, saber qual o conteúdo do compliance partidário, ou seja, se ele seria apenas contábil ou também qualitativo, sempre relembrando que não há como se debater compliance com seriedade sem discutir democracia interna dos partidos. Por segundo, saber como introduzi-lo, tal como fora feito com sucesso na Espanha. Por fim, saber a quem dirigi-lo, ao que Bucchianeri sugere que ele seja aplicado tão somente às esferas nacional e estadual dos partidos, mas não aos diretórios municipais, pela falta de estrutura para esse controle.

Todas as soluções até agora apresentadas mostram que o fim está longe. Para Bucchianeri, porém, isso não se resolverá em mensagens rápidas. Para que a democracia não afunde, precisamos mergulhar nela. E mergulhar fundo.

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O controle das Fake News pela Justiça Eleitoral

A disseminação das notícias falsas não são novidades no mundo virtual, mas o seu impacto nas eleições traz preocupações à Justiça Eleitoral

Min. Luiz Fux | Luiz Taro Oyama | Vânia Aieta

O Desembargador Luiz Taro Oyama, Presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Paraná, destacou a necessidade de combater as fake news, as quais, parafraseando o Ministro Luiz Fux, derretem candidaturas legítimas.

Ainda, destacou que a Justiça Eleitoral tem um papel fundamental no combate à legitimidade das eleições num combate incessante à corrupção.

Vânia Aieta destacou a dificuldade da sociedade em compreender e delimitar o que são as fake news. Debruçando-se sobre os mais recentes acontecimentos, como a eleição de Trump, Brexit e Cambridge Analytica, verifica-se que o uso de fake news surge como o caminho mais rápido para alcançar o resultado almejado.

O uso de robôs que intensificam o compartilhamento de informações específicas, aliado a pessoas reais que não aferem a veracidade do conteúdo, cria o falso ambiente de que diversos segmentos sociais estão discutindo sobre determinado tema de uma mesma forma.

As fake news criam um fluxo de informações que são exploradas por atores estratégicos, que criam as “fake fake news” que atacam fatos reais como se falsos fossem.

O Ministro Luiz Fux destacou que algumas notícias falsas não têm a menor influência no âmbito eleitoral. O problema ocorre quando as fake news são propagandas absolutamente negativas de um candidato contra o outro que afetam a candidatura do oponente.

Em que pese a liberdade de expressão, a Justiça Eleitoral deve agir de forma a afastar as notícias falsas que coloquem sob risco a legitimidade do pleito.

A propaganda eleitoral tem duas premissas inafastáveis, a lisura informacional e a revolução ética, sendo que as fake news geram um déficit informacional. Ora, a partir do momento em que o candidato deixa de realizar uma campanha propositiva para apenas se defender de ataques, há um prejuízo para a escolha do próprio eleitor.

Dessa forma, deve-se contrapor as fake news com a liberdade de expressão, pois “a verdade é algo consubstancial para a democracia”.

Não se pode admitir que o candidato abra mão de suas aptidões para implantar fake news, muitas vezes não relacionadas à competência para o exercício do cargo.

Fux afirma, ainda, que o Supremo Tribunal Federal, em prol do cidadão, deve dar a última interpretação que seja o melhor para o país e para a sociedade em geral, valendo-se, para tanto, dos princípios constitucionais.

Nesta seara, o princípio da legalidade aplicável à propaganda eleitoral pode fazer tudo, salvo o que está vedado pela lei. O princípio democrático estabelece que os candidatos têm que ter as mesmas oportunidades. O princípio da moralidade traz uma exegese rigorosa de aplicação da ficha limpa.

Assim, Fux afirma que o primeiro princípio do Direito Eleitoral seria o da Lisura das Eleições, e o segundo da verdade real, o que demonstra a importância do combate às fake news nas eleições para proteger a correta escolha do eleitor e, em última instância, a legitimidade das eleições.

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Presidente do VI Congresso Brasileiro de Direito Eleitoral: Luiz Fernando Casagrande Pereira

Presidente do Instituto Paranaense de Direito Eleitoral: Moisés Pessuti

Equipe de Relatores:
 Paulo Henrique Golambiuk, Maitê Marrez, Guilherme de Abreu e Silva, Isabel Arruda Quadros da Silva, Rafaele Balbinotte Wincardt, Emma Roberta Palú Bueno, Roberta Alves Pinto Guimarães, Wagner Luiz Zaclikevis, André Eiji Shiroma, Waldir Franco Félix Júnior, Caroline de Fátima Helpa, Eliane Bavaresco Volpato e Yasmin Brehmer Handar

Equipe de Comunicação: Luiz André Velasques, Nicole Wibe Silva e Carlos Eduardo Ara