O Instituto Paranaense de Direito Eleitoral foi uma das entidades convidadas a manifestar posição na audiência pública promovida na última segunda-feira (9) pelo Supremo Tribunal Federal para discutir a possibilidade de candidaturas avulsas (sem filiação partidária) no sistema eleitoral brasileiro. Participaram da audiência pública representantes do Senado Federal, da Câmara dos Deputados, da Advocacia-Geral da União, da Procuradoria-Geral da República, dos partidos políticos, dos movimentos sociais e da academia que externaram posições bem divididas.
Representado por sua presidente, Ana Caralonia Clève, o Iprade se posicionou contrário às candidaturas avulsas com base na Constituição brasileira. Para ela, o constituinte originário deixou claro que a filiação partidária é condição de elegibilidade, uma vez que, em razão de uma democracia partidária, devem ser evitadas lideranças individuais que não têm projetos de poder voltados para toda coletividade. Ana Carolina Clève entende apresentou enfoque sobre a participação feminina na política e lembrou que o compromisso com a representatividade das mulheres é uma preocupação mundial e que a atuação dos partidos garante maior igualdade.
Em nome da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), Joelson Costa Dias mostrou estudos realizados por integrantes da entidade e apresentou argumentos sobre a filiação partidária sob a ótica da Constituição Federal, dos tratados internacionais e do Pacto de San José da Costa Rica. Segundo ele, não basta definir a competência (do Supremo ou do Congresso Nacional) para analisar o tema, mas também saber se eventualmente o STF poderia delegar ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) atribuição para regulamentar sobre as diversas questões envolvidas no tema.
Presidente do Instituto Gaúcho de Direito Eleitoral (Igade), Caetano Cuervo Lo Pumo salientou a complexidade da regulamentação normativa após uma possível aprovação das candidaturas avulsas. Para ele, a mudança pode comprometer o sistema se não for acompanhada por regras claras de funcionamento. Ele destacou o sucesso do atual modelo eleitoral, “apesar de imperfeito”, e disse que muitas mudanças têm ocorrido para melhor no sistema brasileiro. Na sua avaliação, os modelos internacionais de candidaturas avulsas não devem ser usados, mas apenas servir como referência, levando-se em conta as peculiaridades e realidades jurídicas em que estão inseridos.
Representado por seu presidente Henrique Neves da Silva, o Instituto Brasileiro de Direito Eleitoral (IBRADE) optou por não trazer manifestação contrária ou favorável a respeito do tema, mas apresentou um levantamento feito pela entidade para mostrar os impactos legislativos da eventual aceitação das candidaturas avulsas em dispositivos constitucionais e no Código Eleitoral. Neves afirmou que a competência para regular a matéria é do Congresso Nacional e avaliou que as candidaturas avulsas não podem servir de válvula de escape para os candidatos não escolhidos em convenções partidárias. Citou, ainda, a experiência de outros países e avaliou a necessidade de regulamentação da matéria tendo em vista possíveis lacunas sobre pontos como suplentes de candidatos independentes, composição da Mesa das Casas Legislativas e comissões formadas pelos líderes partidários, entre outros.
Ao encerrar a audiência pública, o ministro Luís Roberto Barroso, proponente do evento, afirmou que este foi um dos dias mais produtivos em seus seis anos de Supremo Tribunal Federal. “Foi um debate verdadeiramente plural, com exposições extremamente bem fundamentadas, de pessoas que se prepararam e vieram contribuir para o país e para o Supremo, para que possamos tomar uma decisão devidamente esclarecida”, disse.
A audiência foi convocada no âmbito do Recurso Extraordinário (RE) 1238853, com repercussão geral reconhecida. O recurso foi apresentado por dois cidadãos não filiados a partidos que tiveram registros de candidatura a prefeito e vice-prefeito do Rio de Janeiro (RJ) negados pela Justiça Eleitoral, sob o entendimento de que a Constituição Federal (artigo 14, parágrafo 3º, inciso V) veda candidaturas avulsas ao estabelecer que a filiação partidária é condição de elegibilidade.
Segundo o ministro, a despeito das opiniões contrárias, o debate produziu alguns consensos, entre eles o reconhecimento de que há hoje no Brasil um descolamento entre a classe política e a sociedade civil. “Todos estamos de acordo que é preciso reconstruir algumas pontes”, afirmou o ministro, acrescentando que este é um fenômeno mundial.
Para o ministro Barroso, a tarefa do STF será decidir se o deslinde da questão envolve a preservação de regras democráticas e a proteção de direitos políticos fundamentais ou se se trata de uma escolha política, que, nesta condição ficaria a cargo do Congresso Nacional. “Não é banal essa fronteira entre direito e política no mundo contemporâneo”, reconheceu. Entre as conclusões da audiência favoráveis à adoção da candidatura avulsa no Brasil, o ministro salientou a constatação de que a maior parte dos países admite a possibilidade, que todo monopólio é ruim, inclusive o dos partidos políticos, e que aparentemente existe uma demanda social nesse sentido.
Os expositores que se manifestaram contrariamente à ideia apontaram riscos de enfraquecimento dos partidos e de desinstitucionalização da democracia e dificuldades de implementação das candidaturas avulsas.
Para o ministro, a pluralidade de argumentos demonstra o quanto a questão é delicada. “Se fosse fácil, o problema já estaria resolvido”, disse. Barroso ressaltou a importância das audiências públicas. Segundo ele, a despeito de lhe caber a palavra final sobre o sentido da Constituição Federal, o STF não é o único intérprete da Constituição, muito menos o seu dono. “A interpretação da Constituição é um projeto coletivo, que envolve as instituições e as manifestações da sociedade. Cabe ao Supremo interpretá-las e filtrá-las pela Constituição, tendo em vista o que for melhor para o país”, concluiu.