Num passeio assustador pela história, o advogado Juliano Breda falou ao público do IX Congresso Brasileiro de Direito Eleitoral (CBDE) sobre os riscos da fermentação ideológica extremista para a democracia. O painel “Direito Penal, Democracia e 100 anos de Golpes de Estado” ocorreu nesta quarta-feira (12), no formato das palestras TED Alike.
Com fotos de época e narração acelerada, o advogado iniciou sua fala com um evento pouco conhecido da população em geral, que antecedeu a ascensão de Hitler ao poder: o “Putsch da Cervejaria”, ou golpe da cervejaria. Isso porque o futuro ditador, nos idos de 1923, reunia-se com seus aliados políticos em bares da Baviera. Em 8 de novembro daquele ano, o grupo deflagra a “revolução nacionalista”, com direito a disparo de tiros ao teto do local e convocação de uma reunião sigilosa em que decidiram iniciar uma marcha a Berlim para derrubar o governo republicano no dia seguinte. O plano foi descoberto e o grupo foi recebido pela polícia, o que resultou em 20 mortos e centenas de baleados.
Um juiz morto tinha no bolso o rascunho da nova constituição. Aquele futuro nefasto que, infelizmente conheceríamos mais tarde, fora adiado. Acusado por alta traição, Hitler escapou da pena perpétua e cumpriu apenas 8 meses de prisão, tempo em que escreveu seu “Mein kempf”. “Ali ele deixaria de ser um orador estridente de cervejaria para ganhar destaque internacional”, lamenta Breda.
Ele pontua possíveis erros na tramitação jurídica. “A farsa judiciária da corte popular da Baviera abriu caminho ao nazismo”, afirmavam os correspondentes dos jornais internacionais de então. “Esse era o ambiente jurídico da época: totalmente anti Berlim, anti republicano, anti Tratado de Versalhes”, salienta o advogado.
“O golpe da cervejaria deveria ter ficado restrito aos livros de História, mas infelizmente não foi isso que aconteceu.” A leniência do tribunal alemão se mostrou prejudicial nos anos seguintes.
Breda avança várias décadas e mostra à plateia uma foto do 6 de janeiro em 2021, durante a invasão do Capitólio em Washington (EUA) por apoiadores do candidato derrotado Donald Trump. Mais de 1.100 pessoas foram acusadas.
Falando em extremismo, hoje os ânimos estão exaltados. “Na Alemanha, recentemente, foram presos membros da extrema direita acusados de tramar golpe contra uma juíza, e nesta semana esse foi o partido mais votado nas eleições ao Parlamento”, pondera Breda.
Chegando ao Brasil de 8 de janeiro de 2023, o advogado questiona se as palavras e ações podem caracterizar a responsabilidade do ex-presidente Jair Bolsonaro na invasão do Congresso. “Ao longo de anos, houve tentativa quase diária de retirar credibilidade do sistema eleitoral, tentativa de cooptação das forças armadas, atentados contra a lisura do processo eleitoral. Isso demonstra que o direito eleitoral voltou a ter protagonismo na tutela da democracia como ponto fundamental ao aperfeiçoamento da sociedade”, conclui.
Para ele, é necessária uma reação contundente do Judiciário aos atos anti democráticos, mas com cuidado para não ser brando demais e estimular atos ainda mais graves no futuro, nem excessivo de maneira a oferecer ao extremismo político uma ideia de vingança.
“O estado de direito e a democracia se salvam com a punição de todos os responsáveis, por um tribunal imparcial que, ao final, se for o caso, aplique pena proporcional. O maior desafio de aperfeiçoamento da democracia brasileira é que não se admita qualquer tipo de anistia aos criminosos de 8 de janeiro.”