DEBATE II

Contagem dos prazos de inelegibilidade e suspensão dos direitos políticos a partir do cumprimento da pena: seria constitucional limitar o exercício dos direitos políticos pela falta de recursos financeiros?

Luciana Carneiro | Guilherme de Salles Gonçalves | Luiz Carlos dos Santos Gonçalves

Luciana Carneiro iniciou com a apresentação do tema e anunciou brevemente os palestrantes. Após, passou a palavra ao painelista, Guilherme de Salles Gonçalves.

Guilherme disse que o tema é complexo, assim, estabeleceu premissas. A primeira delas aponta que a Lei da Ficha Limpa “lamentavelmente se mostrou um grande fracasso, sob o ponto de vista jurídico”. Sustentou que a normativa foi inserida no ordenamento para sanear o processo político, sinalizando acreditar que nem na época do coronelismo os “debates eram de tão baixo nível”. Em adição, concluiu que a lei em questão não melhorou a política brasileira.

Na sequência, trouxe como segunda premissa a ponderação de que os direitos políticos são dotados de jusfundamentalidade. Portanto, as restrições a tais direitos devem ser interpretadas restritivamente, desde a velha teoria dos limites aos limites, como citou Guilherme.

Como terceira premissa, sustenta que toda sanção deve ser proporcional, razoável e igualitária. Além da própria aplicação da pena em si, o sujeito pode sofrer o que a doutrina denomina como inelegibilidade adicional. Ao final, destacou que “mais democracia é com mais candidatos, não menos”. E que “Não podemos substituir a vontade do leitor, se ele quiser votar em alguém que recebeu denúncias, responsabilidade do eleitor.”

Após isso, a palavra foi passada ao segundo painelista, Luiz Carlos, que destacou sobre a probidade administrativa como princípio da administração pública e pontuando que há um comando expresso pela CF/88. No caso da condenação de improbidade, haverá suspensão dos direitos políticos, mas a lei da ficha limpa, não colaborou para a evolução do sistema político.

Continua dizendo que não basta a suspensão dos direitos e que o ato de improbidade seja doloso, além de não ser suficiente que o ato doloso gere danos ao erário. Se o sujeito deliberadamente, conscientemente, por vontade própria, causa prejuízo ao erário, ele não está inelegível. Alega que “o sujeito com gosto, com prazer, com vontade, enriquece ilicitamente na conta do patrimônio público, do nosso patrimônio, e não está inelegível?”.

Luiz Carlos alega que isso é possível sem causar danos ao erário. Para tanto, se o sujeito solicita uma vantagem indevida para realizar ato que ele deveria realizar de qualquer forma. Acredita que para que o sujeito seja condenado por improbidade, é preciso que seja condenado pelos arts. 9º e 10 da LIA, conjugados. Não é, pois, suficiente só causa prejuízo ao erário, tampouco é suficiente o enriquecimento ilícito. Por isso, a lei da ficha limpa não conseguiu melhorar o sistema político, “ela foi terna, ela foi fraca”, disse ao citar casos práticos.

Quanto ao fato de que na condenação de improbidade, em que há suspensão dos direitos políticos já aconteceu, esclarece que essa pena é a condição para o começo, e ainda questiona se não há a mesma situação em relação à improbidade e ao crime. Sobre isso, esclarece acreditar que ressarcimento é pena e alega que “no art. 9º da LIA, essa mesma que foi reformada recentemente de uma maneira que pega para o bem e para o mal, as sanções são taxativas, tudo é pena. Não é possível que todo o resto lá disposto seja outra coisa senão pena, para além da suspensão dos direitos políticos”.

À vista disso, diz ser necessário o exaurimento de cumprimento de todas essas penas, nos termos da Súmula 61 do TSE. Ainda, mencionou as ADC’s 29 e 30, levadas ao STF, que consideraram que a Lei da Ficha Limpa é constitucional. Tal posicionamento vai de encontro com sua linha de defesa.

A mediadora o questionou Guilherme quanto a limitação do exercício dos direitos políticos devido à falta de recursos financeiros pode ser vista como uma violação do princípio da igualdade. Questionou, por isso, “quais são as consequências de um sistema que penaliza economicamente os cidadãos, restringindo seus direitos políticos com base na capacidade financeira para pagar uma multa?”

Guilherme respondeu que seu posicionamento consiste na invocação do CP e explica que o STJ entende que ressarcimento não é pena, se fosse sanção deveria ter prescrição. Esclarece, ainda, que o próprio STF alega a natureza jurídica do ressarcimento, não como elemento sancionador, mas como elemento reparador, ainda que esteja incluso no rol do art. 12, porque “mesmo não sendo, ele é o que ele é”. Outrossim, apontou que aqueles que cometeram atos ímprobos devem cumprir pena, estando o sujeito cumprindo aquilo que lhe é exigido, mas não se pode ampliar as hipóteses de restrição dos direitos políticos, em razão da sanção rígida”. Ao final, afirma que “a extinção da inelegibilidade só deve ser aplicada em casos absolutamente graves, sob pena de censura”.

Na sequência, a mediadora questionou Luiz Carlos sobre “como a CR/88 deve ser interpretada no que diz respeito à contagem dos prazos de inelegibilidade e suspensão dos direitos políticos após o cumprimento da pena, considerando os princípios de igualdade e dignidade da pessoa humana?”. Bem como, “até que ponto é legítimo impor restrições adicionais aos direitos políticos mesmo após o término do cumprimento da pena?”.

Luiz Carlos respondeu que “a lei está do nosso lado”, de modo que, se está previsto na lei, deve ser aplicado, defende que “se um indivíduo não pode se candidatar devido a uma dívida de R$ 3,00, ele também não pode se desquitar, especialmente se essa dívida resultar de uma gestão fraudulenta do patrimônio público, combinada com enriquecimento ilícito”. Afirma que não se trata de penalizar a pobreza ou pessoas de baixa renda, nem de violar o princípio da igualdade. “O que está em questão é o seguinte: o indivíduo era um gestor público que deliberadamente desviou fundos públicos para enriquecimento pessoal”.

Nesse contexto, acredita que a CF prevê sanções graves para esse tipo de conduta, que, na sua interpretação, não são totalmente abordadas pela Lei da Ficha Limpa. Se defende simplesmente a interpretação literal da lei, não a ampliando. Ao final, afirma que “basta consultar a Lei da Ficha Limpa para constatar que a inelegibilidade começa a ser contada após o cumprimento da pena, conforme estipulado na lei e conforme defendido pelo STF e pelo TSE”.

Devolvida a palavra a Guilherme, este reiterou que no caso da pena do direito penal, é claro: tudo é pena. Já para condenação por improbidade não. Ainda, quanto à Súmula 61 do TSE, esclarece que está sendo discutido no STF. Menciona ainda que, em um caso de efetiva inelegibilidade decorrente de uma interpretação jurisprudência que é do sujeito que tem as contas julgadas não prestadas, sem nenhuma base legal, ainda hoje ele fica quatro anos sem a quitação eleitoral e ele fica de fato inelegível por quatro anos. Esclareceu que alguém pode ser declarado inelegível ante a falta de recursos financeiros. Pontuou que a regra tem que ser a elegibilidade, tem que deixar para o eleitor decidir. Finaliza dizendo que devemos “apostar no amadurecimento democrático do eleitor”.

Luiz Carlos finaliza sua exposição dizendo que nos interesses da sociedade e nos termos da lei, já foram propostas muitas ações de improbidade administrativa, pois existem muitos políticos mal-intencionados, por isso se defende a aplicação da lei. Num estado democrático de direito a lei deve ser cumprida, pois até o momento não há, ainda, nenhuma inconstitucionalidade.

Luciana agradece e encerra o debate.

 

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ENFOQUE I

Diálogos sobre a Democracia Digital e a Participação Cidadã

Rogério Galindo | Admar Gonzaga | Ezikelly Barros | Henrique Neves

Iniciando o painel, o jornalista Rogério Galindo agradece o convite e ressalta que se trata de um dos mais importantes temas, não apenas no direito, mas também na democracia, especialmente nas eleições deste ano. O tema é a correlação entre a democracia digital e a participação cidadã. Ou seja, de um lado temos uma ferramenta que permite quase tudo, e de outro, precisamos aprender a utilizá-la de modo civilizado para garantir a permanência da democracia.

Henrique Neves

Henrique Neves questiona, de início, se a internet seria a nova ágora, ampliando a participação cidadã. Ele destaca a evolução da democracia e a importância da participação popular além do voto, com a internet abrindo novas possibilidades. No entanto, ressalta que a liberdade de expressão exige responsabilidade e não pode servir como escudo para propagar ódio ou desinformação.

A internet democratiza o acesso à informação, mas exige cuidado com a manipulação e a disseminação de notícias falsas. A checagem de informações e a educação midiática são essenciais nesse contexto.

Apesar dos avanços, a inclusão digital ainda é um desafio, com milhões de brasileiros sem acesso à internet e a formação de bolhas ideológicas online. A democratização da internet e o combate à desinformação são cruciais para que ela se torne um espaço de participação cidadã real e efetiva.

Admar Gonzaga

Admar traça um panorama histórico da liberdade de expressão, desde a Revolução Francesa e a Declaração dos Direitos Humanos até a Constituição Brasileira, destacando a garantia da livre expressão e o repúdio à censura prévia.

Em um regime democrático, a pluralidade de ideias é fundamental, e a responsabilização por eventuais excessos ocorre posteriormente à manifestação, assegurando o direito de resposta como parte da liberdade de expressão.

No Brasil, o anonimato é vedado, consagrando o binômio liberdade-responsabilidade. A tutela inibitória da expressão só se aplica em casos excepcionais, mediante decisão fundamentada.

O palestrante defende que a verdade não pertence a ninguém, e a busca por ela é constante. A democracia garante o direito de livre expressão, mesmo que a verdade do momento seja questionável. A evolução é contínua e a liberdade de crença é um pilar fundamental.

Ezikelly Barros

Ezikelly Barros argumenta que, embora a internet tenha o potencial de democratizar a participação política, a ascensão do populismo digital, principalmente da direita, tem propagado desinformação e ameaçado a democracia. Ela destaca o aumento do uso da internet como fonte de informação política e o papel dos movimentos populistas digitais em explorar esse cenário.

Segundo ela, esses movimentos, frequentemente liderados por figuras carismáticas, usam táticas de polarização e extremismo para angariar apoio e minar as instituições democráticas, buscando não apenas alcançar o poder, mas também redefinir o próprio conceito de democracia. Ezikelly cita exemplos como o Movimento Cinco Estrelas italiano e a campanha de Jair Bolsonaro em 2022 para ilustrar o impacto desses movimentos nos processos eleitorais.

Diante dessa ameaça, ela defende a necessidade de uma “democracia defensiva“, que, em situações extremas, limite certas liberdades para proteger a si mesma, como o combate à desinformação online, realizado pelo TSE nas eleições recentes. A painelista conclui enfatizando a urgência de se compreender e enfrentar os desafios do populismo digital por meio de ações institucionais e legislativas.

 

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TED ALIKE I

Direito Penal, Democracia e Golpes de Estado: o incêndio do Reichstag e o 8 janeiro no Brasil

Juliano Breda

Juliano Breda iniciou o TED com a narração do marco histórico “o Push da Cervejaria”, que ocorreu na noite de 8 de novembro de 1923. Centenas de pessoas cercavam Bürgerbräukeller. O público ouvia o discurso de Gustav Ritter Von Kahr – Comissário Geral da Baviera, acompanhado do principal General do Estado Otto Von Lossow e o Chefe da Polícia local Hans Ritter Von Seisser, mas Von Kahr. Não findou seu discurso, visto que Hermann Göring, acompanhado de dezenas de soldados da tropa de assalto do partido nazista, cercou a cervejaria, rendeu todos os soldados locais e fechou as saídas da Bürgerbräukeller, momento este que Adolf Hitler abre caminho entre a multidão e dirige-se ao palco, assumindo o microfone e declara: “A revolução nacionalista está desencadeada”, saca sua Browning e dispara um tiro ao teto.

Convoca Von Kahr, Lossow e Seisser (os três principais líderes da Baviera) para uma reunião, propondo a eles para aderir ao movimento deflagrado pelo partido nazista, retornam à cervejaria e os três líderes se comprometem a apoiar o movimento, que no dia subsequente teria início na marcha a Berlim para derrubar o Governo Republicano. Hitler e seus aliados/apoiadores cometem um erro estratégico: a permissão para que os principais líderes da Baviera retornassem para suas casas sem nenhuma escolta ou fiscalização. Junto a outras autoridades policiais e políticas, estes mesmos líderes preparam uma ‘contraofensiva’ ao movimento nazista. No outro dia, já ciente, mas não acreditando que esses líderes poderiam descumprir o compromisso público feito em Bürgerbräukeller, eles tomam a cidade de Munique acreditando que não haveria reação alguma do policiamento local, o que não ocorreu.

Na entrada de Odeonsplatz – principal praça de Munique, ao descumprir uma ordem da polícia, Hitler e seus companheiros do partido são alvejados e assim ocorre um banho de sangue, um massacre com 4 policiais mortos, 16 nazistas mortos e centenas de feridos e baleados, ficando marcado como o Massacre de Odeonsplatz, no dia 09 de novembro de 1923.

Entre os nazistas mortos estava o Juiz da Suprema Corte da Baviera, que carregava em seu bolso o rascunho da nova constituição que seria declarada pelos nazistas, fechando o parlamento alemão, expulsando os judeus do país, confiscando os seus bens e criando campos de prisão para os inimigos do regime, com uma minuta expressa do golpe. Hitler foge, porém, é capturado após dois dias em uma vila chamada Uffing, e aguarda seu julgamento em Landsberg, acusado pelo Ministério Público unicamente pelo crime de alta traição. A corte popular da Baviera, conforme estatísticas, julgava e aplicava para os réus uma pena média de 15 anos (pelo mesmo crime), diferentemente dos réus que professavam os ideais de direita, frontalmente ligados ao partido nazista, uma pena média de 4 meses.

O julgamento de Hitler foi utilizado por ele como plataforma para o partido nazista para se transformar em uma figura Europeia, mundial, haja vista que todos os países enviaram correspondentes para cobrir o julgamento. Em todas as alegações de Hitler, dos demais acusados e defensores, havia uma defesa enfática das razões que levaram ao golpe ocorrido em 08 de novembro, todos eles lograram êxito ao afirmar que o fariam novamente e se as condições permitissem.

O Código Penal da época previa o crime de alta traição com prisão perpétua, porém os membros do Ministério Público pediram uma condenação de oito anos de prisão, alegando que, por ser um soldado, ele era beneficiado de atenuantes. Então, Hitler encerra a defesa oral de si e seus colegas afirmando que, independentemente da decisão que a Corte Popular tomasse, ele tinha certeza de que em breve o povo alemão caminharia unido, ostentando suásticas e lutando contra o marxismo, o povo judeu e unindo-se para derrubar o governo de Berlim. Um ambiente anti-Berlim, anti-Constituição de Weimar, anti-Democrática, anti-Republicana e anti-Tratado de Versalhes.

No dia 1º de abril de 1924, a Corte reconhece a existência das circunstâncias atenuantes em favor de Hitler, que fazia com que a pena ficasse com marco mínimo e máximo de 5 anos, sustentando que eles teriam agido com espírito patriótico e motivos nobres, podendo Hitler pedir liberdade condicional após o cumprimento de 6 meses (8 meses depois Hitler é colocado em liberdade). Neste período recluso, Hitler escreveu “Mein Kampf” – Minha Luta. Com isso, a farsa judiciária da Corte Popular da Baviera abriu caminho para a ascensão do nazismo e para que a civilização assistisse um dos capítulos de maior barbárie do século passado. Subitamente, nos últimos anos, o direito penal voltou a se preocupar com ações desta natureza, com atos graves cometidos contra a democracia e contra o Estado de Direito, hoje temos processos criminais concomitantes por crimes contra instituições democráticas no Brasil, nos Estados Unidos da América – EUA e na Alemanha.

A título exemplificativo, em 6 de janeiro de 2021, ocorreu a invasão ao Capitólio para “impedir” a confirmação da eleição do atual presidente Joe Biden. Foram mais de mil e 100 pessoas denunciadas, 600 pessoas condenadas. Donald Trump aguarda a decisão de segunda instância a respeito da incidência ou não da regra de imunidade ao presidente da república norte-americana para responder o mérito desta acusação. No Brasil, o ápice dos atentados evidencia-se em 8 de janeiro de 2023, quando autonomeados patriotas invadiram e vandalizaram as sedes dos três Poderes em Brasília, caracterizado como um atentado terrorista que demarca o auge da radicalização de grupos de direita e extrema direita no país, cujos membros e lideranças vêm atacando sucessivamente as instituições democráticas desde 2015.

Em 12 de janeiro de 2023, Carlos Frederico Santos, Subprocurador da República, pede ao Supremo Tribunal Federal que investigue, além dos executores materiais, as autoridades policiais que foram omissas e dois núcleos de partícipes dos crimes contra as instituições democráticas: os financiadores e os autores intelectuais dos atos antidemocráticos. Posteriormente, pede (com deferimento) a inclusão do Ex-Presidente Jair Messias Bolsonaro entre os investigados. Em 09/12/2022, Bolsonaro afirmou: “As Forças Armadas são o último obstáculo para o socialismo“; “Vivemos um momento crucial, uma encruzilhada“; “O destino é o povo que tem que tomar. Quem decide o meu futuro, para onde eu vou, são vocês. Quem decide para onde vai as Forças Armadas são vocês, quem decide para onde vai Câmara e Senado são vocês também“.

Ao longo de anos, houve uma tentativa quase que diária de retirar a credibilidade do processo eleitoral brasileiro, em especial de Ministros do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral, que comandam as nossas eleições. Sobretudo, um ataque ferrenho à confiabilidade das urnas eletrônicas. Além disso, a divulgação de reuniões com minutas de ataques e golpes para tentativa de cooptação do comando maior das forças armadas e processos de desinformação em massa, associados à lisura e respeito ao processo eleitoral. Crimes ainda sem apuração, não sendo possível aferir as dimensões da problemática.

 

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KEYNOTE II

A natureza do Direito Eleitoral e o Inevitável conflito com o Poder Legislativo

Geovane Silveira | Torquato Jardim

O apresentador Geovane Silveira abriu o painel desejando uma boa tarde aos presentes e dando boas-vindas ao painelista, ex-ministro do TSE e ex-ministro de estado da justiça, Torquato Jardim. Após apresentar um breve currículo do painelista, agradeceu sua presença e passou a palavra.

Poder Judiciário e o avanço na função de regulação da Constituição Federal e das leis

Torquato Jardim iniciou sua exposição apontando que a Justiça Eleitoral merece uma perspectiva mais esclarecida em razão de sua história, em especial, quanto ao porquê de parecer ser mais legislador do que deveria.

Nesse sentido, defendeu que a gênese da Justiça Eleitoral é política, para “separar a briga” dos agentes políticos, ou seja, foi constituída desde 1930 para apaziguar os conflitos políticos. A título de exemplo, mencionou que em 1932, São Paulo tomou em armas para fazer valer a promessa da revolução de 1930 e afirmou que, pela ocasião da promulgação da Constituição de 1946, quem “disse não” à ditadura foi o TSE, tendo sido então eleito o congresso, organizados os partidos e então editada a constituição de 1946.

Ainda, sobre a atuação da Justiça Eleitoral, provocou o público questionando o que é uma consulta eleitoral, prosseguindo explicar tratar-se de um processo administrativo, não contraditório e não contestável, definindo-a como “um palpite” e acrescentando que, não raro, “um palpite infeliz”, por vezes inevitáveis por ser parte da natureza humana.

A natureza da norma do Direito Eleitoral

Passando a tratar da natureza do Direito Eleitoral, afirmou que quanto a este ramo do direito há uma natureza própria e única, a de que “o redator da norma é o destinatário da norma” e em tom bem-humorado fez a seguinte analogia: os contribuintes, infelizmente, não fazem as normas de direito tributário e os servidores públicos não fazem normas de direito administrativo.

O que é inelegibilidade?

A tese defendida por Torquato Jardim, passa então a servir de fundamento para uma exposição de diversos casos concretos narrados pelo painelista, que iniciou tratando da Lei de Inelegibilidades, com uma provocação sobre o que é inelegibilidade. Nesse sentido, apresentou a definição de Nelson Jobim, segundo a qual inelegibilidade é um fato ou circunstância que, fotograficamente, uma maioria no congresso nacional escolhe para afastar alguém da próxima eleição.

Apontou que a única democracia do mundo que manteve uma lei de inelegibilidades depois da reforma constitucional democrática é o Brasil.

Citou que, por exemplo, é inelegível quem tiver seu registro anulado no órgão profissional de sua carreira, situação que definiu como “um retrocesso medieval”. Apontou ainda outra hipótese: quem simular divórcio ou quebra de convivência estável para afastar hipótese de inelegibilidade por parentesco.

Afirmou jocosamente que a lei mais perfeita que existe é a lei eleitoral, pois é feita por 513 especialistas na Câmara dos Deputados e 81 no Senado Federal: “não sai nada que eles não queiram”. Defendeu que o processo legislativo é político, de acomodação de fatos e interesses.

Explorou, ainda, casos sobre a atuação da Justiça Eleitoral mediante a aplicação de normas constitucionais abertas, como a vedação ao abuso de poder econômico.

Apontou a necessidade de ler o momento sociológico e político das decisões, citando como exemplo o cancelamento de registro do Partido Comunista Brasileiro em 1949, no contexto histórico do início da Guerra Fria, sob o argumento de que o partido defendia o fim da democracia.

Trazendo outro caso, tratou de consulta realizada em 1954 ao TSE, para saber se determinado governador precisava se desincompatibilizar (renunciar ao mandato) para se candidatar ao senado. Relatou que, na ocasião da consulta, a corte entendeu que não haveria tal necessidade, porém, no processo de registro, afirmou o oposto, tendo assim ocorrido com várias outras decisões.

Conclusão

O painel concluiu que a lei mais perfeita que existe é a lei eleitoral.

 

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ENFOQUE II

Violência política de gênero: competência da justiça eleitoral ou da justiça comum?

Nicole Trauczynski | Gabriela Rollemberg | Letícia Giovanini Garcia | Samuel Falavinha

A Promotora Leticia Giovanini iniciou a sua fala contextualizando o crime de violência política de gênero, destacando que, desde o início da humanidade sempre houve uma divisão dos espaços dos homens (ocupando cargos públicos) e o das mulheres (doméstico). A partir das revoluções liberais, se iniciou uma discussão quanto à igualdade entre as pessoas, sendo presente ainda no período da 2ª Guerra Mundial, pois, naquele momento, os homens foram para a guerra e as mulheres precisaram ocupar os postos de trabalhos. Com o retorno dos homens ao trabalho, iniciou-se um fenômeno denominado mística feminina, consistente na idealização e romantização do retorno das mulheres ao ambiente domésticos, com uma forte propaganda de donas de casa e aparelhos domésticos. Porém, o que se vislumbrou naquela época, foi um adoecimento das mulheres no que tange a sua saúde mental.

A palestrante seguiu a sua fala destacando que esse período foi seguido por uma nova onda de luta por ações afirmativas, a fim de garantir uma igualdade material. Nesse contexto, em 1994, ocorreu a Convenção de Belém do Pará, que discutiu a participação das mulheres no ambiente político, com a previsão da Lei Modelo, tratando sobre violência política contra mulheres.

A partir daí, surgiram as leis que definem as violências políticas de gênero. Com efeito, a Lei 14197/21 traz um tipo específico de violência política (não necessariamente de gênero), inserido no Código Penal, ao passo que a Lei 14192/21 traz a proteção especifica das mulheres no Código Eleitoral.

Sob esse aspecto, segundo a palestrante, atualmente se entende que não houve revogação de um crime pelo outro, pois cada um traz situações específicas. Isso porque, a vítima no tipo do Código Eleitoral é a mulher, e no código penal pode ser qualquer pessoa. No tipo do código eleitoral há também um dolo específico, o que inexiste no tipo do código penal.

Em seguida, a palestrante Gabriela Rollemberg abre a sua fala pedindo licença à sua ancestralidade e à todas as mulheres que deram a vida para que ela e tantas outras tenham o direito de existir, de não ser estuprada, de ser votada e de ser representada. Ela destaca, ainda, que antes de se ter mulheres na política, ninguém falava sobre a violência política de gênero, afinal não existiam mulheres neste espaço.

Portanto, é importante discutir essa lei delicadamente, porque sempre que há inovações para garantir o direito de mulheres no espaço político, surgem discussões sobre a revogação dessa lei, no sentido de ser lei inconstitucional, porque não foi criada por lei complementar, ou sobre a competência para o julgamento do tipo penal criado. Mas, antes de falar disso, é necessário destacar a autossustentabilidade das mulheres na política. Isto é, não basta só trazer elas, é necessário manter elas na política. Nós vemos uma grande escalada de mulheres sendo chefes de lares e muitas dessas são mães solos, e, portanto, abre-se uma discussão sobre a questão do cuidado, cuidado este que as mulheres não são remuneradas. E, quando se fala em participação na política, há uma afirmação rasa, no sentido de que as mulheres não estão interessadas em participar como candidatas. Mas, na verdade, elas estão apenas tentando sobreviver e prover.

Em seguida, Gabriela trouxe dados que mostram altos níveis de ansiedade e depressão que acomete a sociedade brasileira, e que atingem as mulheres de forma mais severa devido a essas preocupações do lar e do cuidado.

Então, a discussão que se estabelece é que a lei tem o intuito de proteger candidatas e mandatárias, mas há uma falha no fato de que não houve extensão para as filiadas, para as militantes e outras participantes da política. Elas também sofrem violência na política. Aliás, qualquer mulher que se coloca na política sofre a violência, não importa o partido ou a ideologia ou o espectro.

Trazendo uma discussão sob a ótica restritiva do direito eleitoral, há quem defenda que, quando diplomada a candidata, a competência da justiça eleitoral se encerra, e o caso iria para a justiça comum. Porém, a palestrante destaca que a maioria das violências são contra mandatárias e, ao mesmo tempo, há a ampliação da competência da justiça eleitoral de diversas formas, por exemplo, no caso da desfiliação partidária, que atualmente é competência da justiça eleitoral. Então, por que não poderia ampliar-se para a violência política de gênero? A proteção será garantida pela competência especializada. Por fim, a palestrante sugere uma ampliação do tipo à todas as mulheres envolvidas no processo eleitoral, porque a violência política começa desde os atos intrapartidários. Dessa forma, a lei deveria garantir a democracia intrapartidária, porque boa parte da violência contra a mulher já começa invalidando a participação das mulheres nos atos dentro dos partidos.

Por fim, o palestrante Samuel Falavinha inicia a sua fala informando que não cabe a ele fazer reflexões técnicas sobre como o legislador, tentando cumprir sua função de proteger a mulher da violência política de gênero, trouxe injustiças quando se trata do Direito Eleitoral.

Segundo ele, existem duas leis recentes de 2021, sendo que, ambas têm, dentro do seu seio, a vontade de coibir a violência política de algum modo. Mas temos no direito eleitoral uma lei específica que implementou o art 326-B do código eleitoral (assediar, constranger etc.). Dois tipos penais que têm como meta a proteção do direito político. Esta é a ideia do legislador. Contudo, uma situação que incomoda, na leitura do direito eleitoral, é que: a violência política de gênero tratada no direito penal comum traz uma pena de reclusão de 6 a 3 anos e uma multa correspondente à violência. Fora que, na tipificação penal, já traz a relação de violência. Já na proteção da violência política de gênero para o direito eleitoral criminal, há uma pena de 1 a 4 anos e multa. São alguns fatores que parecem mínimos, mas diferenciam muito a proteção da vítima.

Primeiro: mesmo que não tenhamos a palavra “violência” tipicamente colocada no art. 326-a, entende-se que todo tipo de ação que desprestigia a mulher, apenas por ser mulher, é uma violência. Ou seja, tal violência é implícita que desprestigia a mulher tão somente por ser mulher. A partir disso, é possível pensar que: o juiz, quando for analisar o caso, vai sopesar a pena. No direito penal o agressor irá responder o seu processo sem direito de acordo com o estado. Porém, em relação ao direito eleitoral, abre-se a possibilidade do agressor de fazer a chamada suspensão condicional do processo.

Dessa forma, na diferença da pena, mesmo que o agressor seja reincidente, dificilmente na sua reincidência, ele irá ter uma pena restritiva de direito, são raríssimos os casos em que a pena será restritiva de liberdade. Dessa forma, o palestrante indaga uma reflexão: será que estamos protegendo direito nossas candidatas? Nossas mandatarias? Porque um homem que sofre agressão política vai ter mais proteção do que uma mulher, que consegue ser eleita, e tem uma proteção menor?

 

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Equipe de Relatoria

Bernardo Gureck Borba
Christopher Gabardo Benetti Mamed
Gabriela Silveira do Nascimento
Gustavo Colombo Sedor
Ingrid Borges de Azevedo
Isabela Benedetti Sebben
Isabelle Pinheiro Jackiu
Laura Pedrosa Pontirolli
Lucas Lunardelli Vanzin Zwicker
Lucas Silvestre Machado
Mariana de Gusmão Menoncin
Renan Reis Cruvinel
Soliane Simon Ferreira
Stephany Patricio
Vinicius Silva Nascimento
Willian Michel Dissenha

Equipe de Comissários

Gabriella Franson e Silva
Marcela Senise de Oliveira Martins
Rick Daniel Pianaro da Silva
Tainara Prado Laber
Wilson Scarpelini

Equipe de Comunicação e Marketing

Carlos Eduardo Pereira
Emerson Stempin
Gabriel Antonio Faria
Gissely Araujo
Josué Ferreira
Juliana Malinowski
Laura Weiss Stempin
Luiz André Velasques
Manuela Gonçalves
Mateus Silveira
Rayane Adão
Renan Pagno
Vanessa Pessoa Rosa

Equipe de Supervisores da Relatoria

Laila Viana de Azevedo Melo
Luiz Paulo Muller Franqui
Maitê Chaves Nakad Marrez
Monique de Medeiros Linhares
Nahomi Helena de Santana

Presidente do IPRADE

Paulo Henrique Golambiuk

Presidente do IBRADE

Marcelo Ribeiro

Coordenadora-Geral da ABRADEP

Vânia Siciliano Aieta

Presidente do IX Congresso Brasileiro de Direito Eleitoral

Guilherme Gonçalves