Debate IV

Competência criminal da Justiça Eleitoral: limites e possibilidades no combate as fake news e a desinformação nas eleições 2024

Adriano Soares da Costa | Antônio Carlos de Almeida Castro – Kakay | Veronica Sterman

Adriano iniciou sua exposição destacando a importância do tema, que é o assunto do momento. Neste instante, no Brasil, a discussão tem sido sobre a desinformação e a questão dos limites ou não para liberdade de expressão, bem como sua criminalização. Ninguém aprova a desinformação como arma política. Muitos autores discutiram essa questão da mentira na política, como Hannah Arendt. O discurso é próprio da política. O tema enseja o drama do momento, mas não é novidade no direito eleitoral. Todos sabem como é feito o processo político, um processo de embate de ideias. O engodo é indesejável em qualquer esfera da atividade humana. Vivemos um drama no momento, sobretudo a disseminação da mentira, da desinformação nas redes sociais. Todos que trabalham no direito eleitoral sabem como é feito o processo político, é um embate de ideias.

Se pensarmos nos dilemas de hoje com os olhos do passado, regressamos à Platão. Platão fala na ideia da caverna, os homens só veem as paredes, nasceram no escuro. A realidade deles são as sombras, o mito da caverna. Conforme os homens e mulheres saem da caverna, deparam-se com a luz e com o que seria o real.

Hoje, temos a percepção de que, no espaço político, há pessoas que querem ser essa luz, mas precisaríamos de filtros. Quem é o acendedor de lampiões que traria a luz para quem vive nas sombras? Quem são os donos da verdade? Precisamos desses donos da verdade?  Precisariam os cidadãos serem tutelados para saber o que é a verdade?

Vivemos hoje sob o signo do moralismo eleitoral. A primeira onda, como o palestrante já alertava, ocorreu em 99 com a captação ilícita de sufrágio, por iniciativa popular. Achavam que iam acabar com a corrupção com um artigo de lei. Tivemos a cassação de mandatos sem resolver o problema da corrupção eleitoral. Não acabou a corrupção, mudou-se apenas a forma de corrupção da compra de votos para a compra de testemunhas.

Depois, a ideia de que o candidato há de ser limpo, cândido, transparente, com a lei da ficha limpa. Achavam, a princípio, que seria inconstitucional. Entretanto, a ficha limpa foi a entrada da Lava Jato. Aí estava o ovo da serpente, com a cassação de mandatos eletivos e mitigação de direito de defesa.  Normas sancionatórias aplicando restrição a direitos políticos retroativamente em nome da salvação da democracia brasileira.

Qual a nova onda do moralismo eleitoral? Fake News. Vamos criminalizar o pensamento, a desinformação, sendo que não se resiste a uma pergunta: o que é a desinformação? Ou o que é a verdade factual? Fala-se em mentira como se a verdade metafisicamente fosse um dado certo. Adriano encerra sua primeira participação destacando que, em nome da desinformação, do discurso de ódio, que tem uma norma específica, pretende-se limitar o livre tráfego de ideias no âmbito político.

Kakay inicia a fala dizendo que o assunto das fakes news lhe interessa muito. No passado, era assunto menor, que prejudicava apenas uma pessoa. Hoje, é um fenômeno mundial, basta ler o livro “Os engenheiros do caos”. As fakes news não são um fato isolado, são uma estratégia de poder. Uma estratégia global da extrema direita no mundo. Pela gravidade das fake news, elas devem receber tratamento criminal. Na recente crise do Rio Grande do Sul, muitas pessoas ajudaram e muitas fake news surgiram neste momento dramático. Isso é ou não crime?

Como incorporar isso? O palestrante alega ser garantista e ter um temor de criar novos tipos penais em tempos de crise. É correto aumentar o rol de hipóteses criminais na questão das fake News? Pensa que é necessário. Hoje, afirma que é preciso refletir que não é mais simplesmente a questão isolada das fake News, mas fake News como estratégia de chegar ao poder e se manter no poder.

Temos que discutir a criminalização de condutas como essa, utilizada pela extrema direita mundial. Temos que discutir a criminalização de condutas como essas do Rio Grande do Sul, não é só pelo fascismo, o que interessa é a mentira disseminada. Kakay afirma ser contra dar poder excessivo e contra a lei da ficha limpa. Por fim, fez um pedido de reflexão, uma discussão sobre o que significa a mentira no processo eleitoral brasileiro, é uma tática de manipulação para chegar e se manter no poder.

Iniciada a rodada de perguntas, Adriano Soares da Costa foi questionado da seguinte forma: “Durante muito tempo, consagrou-se a fórmula, no debate público robusto que se espera de uma democracia, de que para “má imprensa, mais imprensa”. Não valeria a mesma fórmula para o combate à desinformação: para “má liberdade de expressão, mais liberdade de expressão”?

O palestrante respondeu que temos os fascistas de esquerda e de direita. O jornal Estadão de hoje mostra que o gabinete de ódio desse governo também funciona. É o mesmo método. Uma pessoa ganha 120 mil dólares por mês mentindo. Por que essa visão assimétrica, maniqueísta? Quando falamos fascista, desumanizamos as pessoas e passa a valer tudo. Vamos definir fake News. Vamos definir legalmente. Tirar o poder do juiz de definir o que é verdade. Seriamos capazes de pensar por nós próprios? Ou precisamos de um tutor, de um ditador dizendo o que podemos pensar? Quem é o fascista? A máquina de mentir está junto com o poder, com Stalin, com Hitler, com Fidel Castro. A discussão tem a ver com liberdade de expressão, com liberdade de pensar. É o direito penal do inimigo que estamos construindo. Vocês não podem pensar por si próprios, precisamos de uma norma penal para pensar? Precisamos de um Ministério da Verdade? Temos um moralismo eleitoral. O discurso público deve ser controlado não pelo tribunal, mas pelo direito de resposta. Encerrou sua resposta, destacando que o conceito de desordem informacional é a porta do inferno, instala-se o arbítrio. O árbitro fascista, que se diz libertário.

Kakay afirma que é bom concordar com o Adriano. O STF pode muito, mas não pode tudo. Ninguém pode tudo. Agora, temos um projeto de lei para instituir pena maior para quem faz o aborto do que para o estuprador. É um moralismo. Há sim uma captura da mentira como estratégia de poder. Ha uma tentativa de manipulação. Temos muita coisa em comum. Precisamos ter a discussão fundamental, que é a mentira como estratégia de chegar ao poder.

 

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Precedente V

Poderes instrutórios do juiz eleitoral: o caso Jorge Seif 

Ludgero Liberato

Ludgero Liberato inicia sua fala mencionando as dificuldades de analisar precedentes. Primeiro, por se tratar de casos concretos que, na seara eleitoral, demandam e despertam paixões; segundo, porque refletem manifestações e escolhas feitas no decorrer do processo, que são feitas por pessoas que acreditam que estão fazendo o melhor. Na seara acadêmica, portanto, reitera que a análise dos poderes instrutórios do juiz eleitoral não se trata de uma crítica pessoal, mas apenas reflexões.

A partir de então, contextualiza o caso de Jorge Seif, expondo as causas de pedir da Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) proposta em face do Senador Jorge Seif, eleito em 2022, especialmente a suposta utilização de aeronaves da empresa Havan na campanha eleitoral sem que houvesse a devida declaração, o que seria irregularidade eleitoral por ser doação de pessoa jurídica.

No julgamento feito pelo TRE/SC, a coligação autora utilizou prova indiciária, elencando a linha que levou a crer pela utilização na campanha do candidato da aeronave de seu apoiador, em síntese, o tempo de deslocamento entre locais, cuja distância impedia que o candidato tivesse utilizado transporte terrestre e a presença constante de Luciano Hang em sua campanha.

A relatora do processo, compreendeu que o caso estava provado, mas por outra razão. Liberato esclarece que a relatora direcionou a fundamentação na inversão de ônus da prova por entender que o fato não tinha potencial suficiente para macular o resultado das urnas. Porém, a relatora foi vencida na fundamentação por maioria do TRE/SC e a AIJE foi julgada improcedente por ausência de provas suficientes produzidas pelo autor.

Em sede recursal, a cassação da chapa permaneceu sendo sustentada com a tese exposta no Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina. Já no Tribunal Superior Eleitoral, o Relator do caso converteu o julgamento em diligência para a empresa Havan informar quais aeronaves possuía entre 01/2022 a 03/2023 e determinou, ainda, que fossem oficiados aeroportos, aeródromos e helipontos de sete municípios e a partir disso surgem duas perguntas: (i) É permitida a produção de prova de ofício pelo juízo eleitoral? (ii) É possível o exercício de poderes instrutórios em sede recursal?

Ludgero menciona a previsão legislativa que fundamenta os poderes instrutórios em AIJE, fazendo um comparativo com o direito processual civil e penal. Parte então à análise do processo penal, sustentando que não há incompatibilidade com os poderes instrutórios, que podem ser reduzidos, mas, não considerados incompatíveis. A partir disso surgem as críticas ao poder instrutório, no sentido que vieses se manifestem (confirmação, ancoragem em provas, olhar egocêntrico etc). Mas, as críticas não derrogam a autorização legislativa, tão somente servem de alerta.

Nesse sentido, menciona os precedentes: ADI 1092 (em 1994 e em 2014, análise da liminar e de seu mérito, respectivamente) e o julgamento Chapa Dilma-Temer em 2017 (TSE fez constar expressamente que os poderes instrutórios do juiz não retiram a obrigação das partes na delimitação do objeto da demanda).

Esse seria o primeiro ponto de reflexão: extrapolar o objeto da demanda no caso Seif, na investigação de aeronaves em outros períodos sob pena de pescaria probatória.

Na fase de instrução probatória perante o Tribunal Regional, a coligação autora requereu expressamente vários ofícios aos aeroportos e ANAC. Os aeroportos negaram a existência de registros e a ANAC respondeu que, nos casos de empresas privadas, não é obrigatório o registro dos nomes dos passageiros que embarcam nas aeronaves. As partes desistiram das provas, mas o Tribunal Superior Eleitoral considerou que estava diante de uma perplexidade probatória.

Liberato questiona: será que houve omissão generalizada da relatora e da procuradoria eleitoral do estado de Santa Catarina? Poderia ser realmente uma perplexidade probatória? Parece difícil a limitação aos poderes instrutórios dos juízes, mas seria possível a partir das limitações específicas.

Ludgero analisa o cenário e chega à conclusão de que julgar é diferente de rejulgar. O processo é um caminhar para frente e a hipótese de abertura e reabertura são excepcionais e devem ser pautadas em motivação das partes e da sociedade, para que possa justificar o porquê de ocorrer naquele caso específico e não em todos os outros. Isso é essencial para garantia da imparcialidade, garantia da credibilidade da jurisdição em geral, mas, especialmente, da jurisdição eleitoral.

 

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Masterclass III

Interpretação e aplicação da ficha limpa em ano eleitoral 

Vânia Aieta | Volgane Carvalho

Vânia Aieta inicia com uma breve introdução sobre as origens da Lei da Ficha Limpa (LC nº 135/2010), pontuando as mudanças no constitucionalismo contemporâneo, os exageros da interpretação principiológica e um moralismo judicial como fatores que fundamentaram a criação e interpretação atual da norma.

Para traçar o histórico da proposição cita a campanha da fraternidade de 1996 da Conferência Nacional de Bispos do Brasil (CNBB), com o tema “Fraternidade e Política”, a partir da qual surge a campanha “Combatendo a corrupção eleitoral”, de 1997. A partir de tais movimentações é incluído o artigo 41-A na Lei das Eleições, por meio da Lei de Compra de Votos, após muita pressão popular.

Vânia Aieta continua destacando que a mudança não satisfaz o ímpeto moralista, que já articula a Lei da Ficha Limpa por meio de proposta de iniciativa popular, que viria a sofrer diversas alterações realizadas ao projeto inicial. Assim, a expositora chega à “Operação Limpeza”, em alusão a atuação da ditadura militar na cassação de deputados federais, mencionando outros autores que possuem visão similar sobre os avisos do atual modelo das inelegibilidades, como Luiz Fernando Casagrande Pereira e Adriano Soares da Costa.

A professora defende que o tema de direito sancionador é um dos pontos mais importantes a serem estudados, tendo em vista que o direito eleitoral também pune e pode ter elementos sancionatórios, atingindo, por consequência, os direitos políticos, que são subespécies dos direitos humanos.

Assim, a temática de inelegibilidades é regida por dois princípios, o moralismo eleitoral, em que o interesse coletivo sobrepõe o individual; e o garantismo eleitoral, que provê uma concepção humanista do direito à elegibilidade, no qual esta é uma regra, sendo os seus impedimentos tratados como graves exceções.

O garantismo eleitoral foi a posição do Ministro Marco Aurélio Mello no leading case “Eurico Miranda” (RO nº 1.069) que capitaneou a corrente vencedora que entendeu no sentido da não auto aplicabilidade do § 9º, do art. 14 da CF, em razão da exigência constitucional de lei complementar para novas hipóteses de inelegibilidade. Afinal, “a perda da elegibilidade constitui situação de caráter excepcional, pois inibe o exercício da cidadania passiva, comprometendo a prática da liberdade em sua dimensão política”

Dessa forma, é consolidado o entendimento de que a lei complementar poderia instituir hipótese de restrição ao sufrágio passivo, o qual se sedimenta com a LC n° 135/2010.

Vânia Aieta coloca que a Lei da Ficha Limpa, bem como a inovação de sua constitucionalidade, foi um caso de populismo constitucional, em que “se revela sentimentos de adulação do povo leigo, contrariando a política real e organizada, deixando de se reconhecer direitos fundamentais consagrados inclusive por tratados internacionais em que o Brasil é signatário como o Pacto de São José da Costa Rica.”

Dessa forma, a expositora defende que o direito eleitoral sancionador precisa ter apoio de todos os atores, indicando que a moralização da política é um retrocesso, explicando que até hoje as instituições são utilizadas para perseguição de adversários e proteção de aliados de quem detém o poder.

Volgane Carvalho abre sua fala evidenciando alguns pontos históricos, como o fato de que em 2032 serão comemorados 500 anos de eleição ininterruptas no Brasil. Em que pese as diversas críticas a serem formuladas ao tipo de eleição realizado no decorrer dos anos, essas eleições foram essenciais para criação de consciência política no povo.

Assim, o expositor explica que por muito tempo o direito eleitoral padeceu de cientificidade e que éramos “o primo pobre da costela do direito constitucional”, contudo, já fazíamos eleições antes mesmo de quaisquer indicações de teoria da Constituição.

Explica que a inelegibilidade é um dos institutos mais antigos existentes e que existe há 200 anos, exemplificando o voto censitário e a exclusão de estrangeiros, explicando que se trata de uma restrição de um direito fundamental.

Após o histórico, Volgane Carvalho expõe que a Lei das Inelegibilidades, “nossa balzaquiana de 30 anos” está em um período de estabilidade. Em contraposição, informa que os juristas brasileiros costumam sempre solicitar jurisprudências mais novas, ainda que haja precedentes consolidados acerca do mesmo tema.

Neste contexto, em que pese os debates acerca da inconstitucionalidade destas restrições de inelegibilidades, tanto os tribunais superiores brasileiros quanto a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) decidiu que podem ser criadas novas regras desde que preenchidos os parâmetros elencados pelas cortes.

Logo, não é possível excluir do ordenamento um instituto que possui uma extensa e antiga previsão, sendo necessário adequá-lo e ajustá-lo para que siga o texto constitucional e os parâmetros de convencionalidade.

Após, traz a “debutante”, a Lei da Ficha Limpa de apenas 15 anos, ainda “intensa” e “efervescente” no qual se faz necessário realizar ajustes, especialmente em três frentes, a vedação e vieses preconceituosos e a ampliação indevida do espectro de inelegibilidades.

Para finalizar, Volgane Carvalho aponta que a emergência de um “novo ciclo” é perceptível, especialmente sob a inclusão de outros ramos do direito na interpretação da Lei de Inelegibilidades, aduzindo a título exemplificativo a colisão com o direito administrativo – marcado pela chegada do ministro Floriano de Azevedo Marques Neto ao TSE.

Por fim, o expositor introduz quatro “inovações” que o TSE não abordou diretamente, mas trouxe em seus julgados: i) litigiosidade familiar; ii) separação de fato; iii) pena de multa e hipossuficiência; e a iv) detração eleitoral e administrativa.

Conclui dizendo: “O novo sempre vem, a gente consegue airar e diminuir aquele espectro da inelegibilidade”.

 

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Diálogos

Diálogo entre Poderes na Democracia

Arthur Lira | Luiz Fernando Tomasi Keppen | Maria Claudia Bucchianeri

Maria Claudia Bucchianeri deu início ao painel com a introdução do tema e a apresentação dos palestrantes, o deputado Arthur Lira e Luiz Fernando Tomasi Keppen. A moderadora contextualizou o debate indagando se os poderes estão atuando “cada um dentro do seu quadrado” e se há alguma crise institucional no Brasil.

O deputado Arthur Lira respondeu que a Câmara dos Deputados é um poder barulhento, representando o povo brasileiro com suas nuances. Acrescentou que a Câmara se mantém dentro dos limites constitucionais, e destacou que o Executivo e o Legislativo estão em contato diário, enquanto o Judiciário, embora equidistante, garante que as leis sejam cumpridas.

Por sua vez, Keppen comentou que é típico da democracia que ocorram tensões, o que exige a presença de pessoas sensatas e equilibradas. Ressaltou que a democracia é uma grande conquista e que, historicamente, sempre tivemos um Executivo muito forte.

A moderadora Maria Claudia Bucchianeri abordou o tema da polarização, que se projeta para dentro dos poderes Legislativo e Judiciário, ressaltando que são as pessoas que movem esses poderes. Perguntou então: “Como construir o diálogo possível e consolidar nossas instituições em um contexto de polarização?”

O deputado Arthur Lira afirmou que é possível no Brasil pensar diferente e trabalhar junto, permitindo que os contrários se sentem à mesma mesa, discutam e cheguem a um entendimento mínimo. Comentou que a Câmara dos Deputados, composta por 513 parlamentares, trata a polarização como uma diferença de opiniões.

Keppen, em consonância, afirmou que uma das principais causas das rupturas institucionais é a polarização extrema, que sempre existirá. O problema surge quando posições antagônicas impedem o diálogo.

O deputado Arthur Lira ressaltou que o “centro” estabiliza a espinha dorsal entre os dois extremos. Keppen destacou a importância da educação para a cidadania democrática, exemplificando que a França investe intensamente nesse aspecto. Afirmou que os valores democráticos devem ser preservados, pois o extremismo se combate com conhecimento e educação.

A moderadora então indagou sobre o “poder disciplinar” e seus limites em uma sociedade polarizada. Keppen exemplificou que nos Estados Unidos os juízes não podem ter mídias sociais e sugeriu que a magistratura brasileira deve manter-se equidistante para conduzir bem o processo eleitoral. Afirmou que um magistrado que não respeita a classe política não pode ser juiz eleitoral.

O deputado Arthur Lira salientou que, “em uma casa de iguais, todos somos iguais”. Afirmou que presidir a Câmara não é uma missão fácil, especialmente ao tomar medidas sérias para garantir a probidade, a formalidade dos procedimentos, manter o decoro parlamentar e assegurar que as relações aconteçam de forma correta. Acrescentou que “o ser humano respeita o que teme, ou teme o que respeita”.

Após contextualizar a diferença de representatividade entre os gêneros no cenário legislativo e judiciário brasileiro, Maria Claudia Bucchianeri trouxe dados sobre a baixa presença feminina na Câmara dos Deputados e a dificuldade de promoção feminina no Tribunal de Justiça do Paraná. Questionou os debatedores sobre as medidas necessárias para aumentar a presença feminina na política.

O Presidente da Câmara afirmou que sempre se preocupou em apoiar a bancada feminina e que, durante sua gestão, conseguiu obter a paridade de gênero na mesa diretora da casa, além de posicionar mulheres presidindo comissões importantes. Destacou a realização da 1ª Reunião de Mulheres Parlamentares do P20, enfatizando a importância de fomentar o interesse feminino na política. Lira mencionou que a bancada feminina não chega a 20% do total de deputados federais, expressando a esperança de que, em breve, uma mulher presida a Câmara dos Deputados.

Keppen comentou que, no âmbito do Poder Judiciário, a análise deve ser histórica, visto que, até 20 anos atrás, poucas mulheres se inscreviam para concursos de magistratura. Hoje, com listas exclusivas para promoção por merecimento, há uma tentativa de equilibrar essa questão de gênero, embora ainda haja muito a melhorar.

Questionado sobre a possibilidade de aprovação de uma PEC de reserva de cadeiras para mulheres no parlamento, Arthur Lira afirmou que, apesar da proximidade em algumas ocasiões, a ideia enfrenta resistência. Explicou que uma PEC necessita de um quórum muito alto para ser aprovada, o que dificulta o processo. Destacou que mudanças na Câmara poderiam refletir nas Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais.

Por fim, Bucchianeri perguntou aos debatedores sobre a perspectiva do Brasil no cenário atual. O deputado Lira afirmou que o Brasil está em processo de amadurecimento e afirmação, com perspectivas claras de melhora, apesar dos choques entre os poderes. Comentou que o país precisa de previsibilidade econômica e que, apesar das diferenças regionais, há muita perspectiva de crescimento.

Keppen elogiou a estrutura judiciária brasileira, afirmando que o Judiciário deve ser motivo de orgulho. Ressaltou que o Brasil tem um projeto extraordinário de nação a curto prazo e destacou que as crises no país são menores do que as dos parceiros da América Latina, o que traz esperança para os habitantes do país.

 

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Masterclass IV

Inteligência artificial e política: identificação de deep fake na propaganda eleitoral

Paula Bernardelli | Renato Opice Blum

Renato Opice Blum iniciou sua apresentação destacando a relevância atual da inteligência artificial (IA) nas eleições, trazendo à tona questões cruciais sobre sua presença, regulamentação e capacidade de induzir comportamentos. Blum enfatizou a necessidade de uma preocupação legítima com a IA, destacando que, apesar de sua sofisticação, ela nunca possuirá espírito ou alma, atributos que a distinguem essencialmente dos seres humanos. Ele argumentou que, embora a IA possa parecer dotada desses atributos, na realidade, não os possui, o que levanta importantes questões sobre a nossa capacidade de discernir essa diferença.

Blum apresentou um exemplo prático do uso da IA nas eleições de 2022, onde a LegalX capturou e analisou 78 mil publicações durante a campanha eleitoral, utilizando monitoramento automatizado para identificar e validar conteúdos. Este processo resultou em 161 intervenções legais contra a desinformação, demonstrando como a atividade eleitoral está cada vez mais interligada à atividade jurídica no ambiente digital. A IA, ao coletar e indexar todo o conteúdo da internet, inclui informações falsas, o que pode impactar significativamente a percepção pública.

Blum destacou ainda o aumento alarmante de deep fakes no Brasil, com um crescimento de 830% entre 2022 e 2023. Ele explicou que deep fakes são vídeos e áudios falsos que parecem reais e podem distorcer a verdade de maneira profunda. Exemplos históricos e contemporâneos mostram como essas tecnologias podem manipular a opinião pública e comprometer a integridade de figuras públicas. A facilidade com que esses conteúdos são produzidos e disseminados representa uma ameaça crescente que precisa ser abordada com urgência.

Blum também discutiu a distinção entre deep fake e cheap fake. Enquanto deep fakes são sofisticados e difíceis de detectar, cheap fakes, apesar de mais rudimentares, ainda podem causar danos significativos. Um exemplo foi a desaceleração de vídeos para fazer parecer que uma pessoa está embriagada, como no caso da política americana Nancy Pelosi. Esses casos ilustram como a manipulação de mídia pode influenciar a percepção pública e potencialmente afetar resultados eleitorais.

Outro ponto importante abordado por Blum foi a limitação da IA. Ele citou o exemplo do ChatGPT, que deu respostas inconsistentes sobre o título mundial do Palmeiras, mostrando que a IA ainda depende fortemente dos dados que recebe e pode falhar em oferecer soluções adequadas. Além disso, ele mencionou o uso da IA em seu escritório, onde ela inicialmente se recusou a falar sobre um artigo de pornografia, mas respondeu corretamente quando a pergunta foi reformulada.

Paula Bernardelli complementou a discussão destacando a acessibilidade e o baixo custo das tecnologias de IA, que aumentaram suas aplicações, inclusive na falsificação da realidade. Ela observou que essas tecnologias estão moldando a percepção das novas gerações, que crescem acostumadas a diferentes realidades digitais. Para o direito, isso representa um desafio significativo, pois será necessário escolher uma “realidade” válida para efeitos legais, mantendo seu papel conservador enquanto regula as mudanças tecnológicas.

Bernardelli também ressaltou a substituição da escrita pela força probatória dos vídeos, que, no entanto, podem ser facilmente falsificados. Isso exige uma nova abordagem para dar mais credibilidade ao que é falado em vez do que é visto. A disseminação de deep fakes já é considerada uma conduta abusiva, e a análise de sua gravidade deve levar em conta o contexto e os efeitos sobre os eleitores, especialmente os grupos vulneráveis. Ela frisou que, ao lidar com tecnologias que desafiam a realidade, é crucial conter seus efeitos para evitar que avancem de forma descontrolada.

Ambos os palestrantes concordaram que a regulamentação da IA é inevitável e urgente. Blum concluiu afirmando que a tecnologia está avançando mais rápido do que podemos compreender, e uma regulamentação forte será necessária para acompanhar seu impacto. Bernardelli enfatizou a necessidade de regulamentação para conter os efeitos potencialmente prejudiciais dessas tecnologias, especialmente no contexto eleitoral.

Em resumo, a discussão de Renato Opice Blum e Paula Bernardelli evidencia a complexidade e a urgência de abordar a influência da inteligência artificial nas eleições e na sociedade como um todo. A necessidade de regulamentação, a ética na utilização da IA e a proteção contra a manipulação de informações são temas centrais que continuarão a demandar atenção e ação nos próximos anos.

 

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Equipe de Relatoria

Alexandre Bueno Drabeck
Ana Paula Araújo Kons
Bruna Veiga da Silva
Débora Andreia Gomes Souto
Frederico Gonçalves Junkert
Gabriel Gomes Lopes
Graziela Fernanda Ferreira Guede
Guilherme Morais Régis de Lucena
Kauane Firman
Lucas Ediney Barbosa
Melissa Gonini de Mattos Leão
Pedro Arthur Angeli Francisco
Thais Kalil Busko
Wesley Alves Bergonzine

Equipe de Comissários

Amanda Dos Santos Neves Gortari
Juliano Glinski Pietzack
Milton César Tomba da Rocha
Matheus Carvalho dos Santos
Milton Roberta Guimarães

Equipe de Comunicação e Marketing

Carlos Eduardo Pereira
Emerson Stempin
Gabriel Antonio Faria
Gissely Araujo
Josué Ferreira
Juliana Malinowski
Laura Weiss Stempin
Luiz André Velasques
Manuela Gonçalves
Mateus Silveira
Rayane Adão
Renan Pagno
Vanessa Pessoa Rosa

Equipe de Supervisores da Relatoria

Laila Viana de Azevedo Melo
Luiz Paulo Muller Franqui
Maitê Chaves Nakad Marrez
Monique de Medeiros Linhares
Nahomi Helena de Santana

Presidente do IPRADE

Paulo Henrique Golambiuk

Presidente do IBRADE

Marcelo Ribeiro

Coordenadora-Geral da ABRADEP

Vânia Siciliano Aieta

Presidente do IX Congresso Brasileiro de Direito Eleitoral

Guilherme Gonçalves