KEYNOTE – Eleições importam?

 

Torquato Lorena Jardim | Ana Flávia da Costa Viana

Torquato Jardim iniciou o painel apontando que o voto, em sua universalidade, é uma luta de milênios, mencionando exemplos emblemáticos como Roma, Grécia e os Estados Unidos. Sabe-se, no entanto, que, nos referidos movimentos – e mesmo no Brasil –, deixou-se de fora uma grande parcela da população.

Na sequência, o palestrante explorou a evolução do Direito Eleitoral no Brasil, dando destaque para alguns eventos, como a Revolução de 1930 e o Código de Eleitoral de 1932, que cria a Justiça Eleitoral e institui o voto feminino no país. Esses exemplos reforçam que o voto sempre foi e continua sendo uma luta constante para garantir a participação e aumentar a base de poder. Para o ex-ministro, essa evolução deve priorizar o aumento do sufrágio aos mais diversos setores da sociedade.

Entretanto, no Brasil, a ampliação da garantia do sufrágio nem sempre significou maior participação, pois em muitos casos tais votos eram controlados pelos donos do poder, citando o exemplo do voto de cabresto. No contexto atual, o palestrante ilustra essa situação através do poder exercido pelas milícias.

Nessa perspectiva, destacou a necessidade de buscar não apenas o aumento do número de eleitores, mas a autenticidade do voto. O palestrante defendeu a importância do constante exercício do sufrágio, na medida em que, com maior ou menor liberdade, essa garantia possibilita a participação na formação da vontade política e constitui um critério de controle institucional. Neste sentido, Torquato Jardim ressaltou o trabalho exercido por organizações não-governamentais que atuam na fiscalização dos representantes eleitos.

O ex-ministro também abordou a importância do controle por parte dos cidadãos. O voto deve ser participativo e os eleitores não devem ser passivos, pois votam em alguém ou em uma causa e deve sempre estar fiscalizando. Desse modo, é inegável que vale a pena exercer o direito de voto, tendo em vista que, a partir do momento que o cidadão o exerce, ele passa a ter maior controle das ações realizadas pela gestão pública. Sendo assim, é certo dizer que o voto não pode ser passivo, pois quem vota em alguém deve sempre estar cobrando a efetividade das promessas realizadas durante a campanha.

O ex-ministro destacou ainda a existência de um histórico de fraudes nas eleições realizadas com cédulas, que por muito tempo foi realidade no Brasil, de modo que a instituição das urnas eletrônicas representou significativo avanço, sendo que não há dúvidas da sua credibilidade, pois se não fossem confiáveis, já teriam sido extintas pelo Congresso.

O controle de poder, portanto, começa pelo voto, mas não termina com ele, devendo existir uma contínua participação. Além disso, os eleitores devem permanecer unidos e fiscalizar, pois há outras etapas essenciais após o exercício do sufrágio. Essa atuação não deve se limitar aos grandes marcos políticos, mas contemplar também a vigilância da política de bairro e da conduta de gestores de escolas públicas.

O palestrante concluiu frisando que votar é uma fé laica; é uma ética individual; é uma moral pública; é ser parte da responsabilidade coletiva. É preciso, portanto, ter indignidade com o maltrato do voto, com o maltrato da verba pública. Isso é votar.

Ao final, a moderadora do painel, Dr.ª Flávia da Costa Viana, ressaltou as lições do cientista político Adam Przeworski expostas na obra “Porquê as eleições importam?”, salientando que a grande virtude do processo eleitoral é permitir a solução dos conflitos sem o uso de armas, bem como garantir que as forças políticas respeitem o resultado do processo eleitoral. Enquanto esse contexto permanecer, a juíza auxiliar da Presidência do Tribunal Superior Eleitoral sustentou que as democracias devem sobreviver.

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KEYNOTE – CONFERÊNCIA DE ABERTURA

Instituições e a preservação da democracia

 

Ministra Carmen Lúcia | Luiz Paulo Muller Franqui

A democracia brasileira se encontra sob constantes ataques, sendo necessário que nós resguardemos, desdobremos e retomemos o discurso que tornou possível a sua vitória nos anos 80. Com esta orientação, a Ministra Carmen Lucia principiou sua fala, apontando que o modelo de democracia atual está presente em todos os cantos da nossa experiência (no trabalho, escola, em casa etc.), representando uma forma de viver com mais liberdade. Esse modelo de Estado, que conquistou todos os espaços políticos no século XX, não é mais apenas uma escolha, mas sim uma verdadeira evolução que leva a esta construção que adotamos no direito.

Sua importância se baseia na construção de uma vida digna, em um modelo concebido para que não tenhamos as experiências desumanas. Busca-se nesse formato atual consolidar um efetivo constitucionalismo democrático, que, expresso no art. 1º da Constituição, consolida a escolha brasileira pela experiência democrática através da fundamentação dos instrumentos de estrutura política do regime democrático, que construiu a sociedade livre, justa e solidária.

A positivação deste modelo pelo constituinte, afirmou a Ministra Carmen Lucia, se apresenta como um dever de todos os agentes chamados para esta construção (isto é, Estado, instituições e cidadãos). É justamente isso que afirmou Ulysses Guimarães em 1987, no processo da constituinte, quando disse que a nação queria mudar, a nação deveria mudar e a nação iria mudar.

Estabeleceu a Constituição, assim, e de modo inovador, os principais órgãos que compõem seus poderes, para fins de controle do poder público, determinando aos governos que cumpram os objetivos constitucionais, eis que são objetivos da república, e não apenas dos governos. E esse estabelecimento se deu em resposta ao anseio que, já na década de 70, a sociedade manifestava, ao buscar o restabelecimento da possibilidade de escolha dos seus governadores, sempre com ênfase no voto e no processo eleitoral.

Na alçada pelo cumprimento dos direitos expostos na Constituição, prevê-se a obrigação do Estado a ser cumprida, em parte pelo Executivo, Legislativo e, em caso de não prestação, ausência de cumprimento ou atendimento formal ou expresso comprovado, o acionamento do Judiciário pelo cidadão, que atua no sentido de guardar a Constituição.

Com esse foco, afirmou a Ministra, a preservação da Constituição é relevante, e isso se dá com eleições regulares, com o uso de urnas eletrônicas que garantem a lisura e legitimidade de escolha dos representantes, bem como com a participação popular no processo eleitoral. Atualmente, pois, pode-se dizer que nossas instituições se encontram em funcionamento, a fim de preservar o modelo democrático desenhado constitucionalmente, com ênfase a preservação da Democracia.

Nesse contexto, ressaltou a Ministra, não se pode esquecer que a experiência democrática atual põe o cidadão na figura de protagonista, com eleições periódicas, para que se tenha a continuidade do processo democrático, em uma permanente construção, considerando as restrições do poder estatal. Por isso, as instituições buscam cuidar para que o cidadão tenha segurança, confiança e eficiência no processo eleitoral.

Isso se percebe pelo número atual de demandas processuais, o qual demonstra que o cidadão está cumprindo com sua titularidade cada vez mais ativa, indo em busca dos seus direitos fundamentais, exigindo que lhe seja garantido o que a Constituição estabeleceu.

Entre guerras e pandemias, aguarda-se um processo de fortalecimento psíquico, com caminhos para serem repensados, uma vez que são nesses períodos que a sociedade se depara com propostas populistas que não atendem à democracia, e que, por sua vez, devem carregar consigo essa certeza, conhecimento, saber de si e que concretize a experiência democrática brasileira.

Por fim, ressalta-se que as instituições democráticas estão em pleno funcionamento, de modo efetivo e permanente, garantindo-se os direitos dos cidadãos, como saúde, educação e segurança pública. Ainda, em relação ao processo eleitoral, concluiu a Ministra Carmen Lucia que o Tribunal Superior Eleitoral, sob a responsabilidade do Ministro Fachin, está atuando para que o cidadão tenha a garantia de funcionamento pleno, democrático, seguro e efetivo das eleições de 2022.

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DEBATE

Análise e Julgamento das contas partidárias entre autonomia e controle: o debate no projeto de Código Eleitoral

 

Francisco Fidelis| Gustavo Kanffer | Denise Schlickmann

Iniciou-se o debate com a apresentação do tema pelo moderador Francisco Fidélis, trazendo reflexões sobre o projeto do novo Código Eleitoral e propondo uma nova formulação para a prestação de contas pelo sistema da receita federal, alterando o atual sistema, que é via Justiça Eleitoral.

Fidélis propõe à discussão a mudança de prazo de 5 para 3 anos para a Justiça Eleitoral julgar as contas, expondo a facilidade dos entes políticos, vez que as contas já estariam sendo prestadas perante a Receita Federal.

Com a palavra, Gustavo Kanffer expõe que a questão principal da discussão é uma análise das contas perante o novo Código Eleitoral, que já foi aprovado pelo Congresso Nacional e está em análise no Senado. A mudança representa um contraponto, uma reflexão sobre o espectro eleitoral. Para o palestrante, o importante é encontrar o equilíbrio, já que a análise das contas é matéria da Justiça Eleitoral, prevista pela Constituição Federal.

Todavia, entendendo tal ponto, propõe a procura um sistema onde não se realize tão somente uma análise financeira, mas que o sistema seja inteligente, e que seja abastecido de documentos para facilitar a análise. O palestrante também demonstra que já existe um sistema de integração, mas que este não poderia ser utilizado. Aproveita para parabenizar a Justiça Eleitoral do Paraná, pois está sendo elaborado no Estado um sistema similar e adequado para uso.

Kanffer faz a exposição da Lei 9.095/99, que arbitra que é necessário um exame formal. Contudo, mesmo recheada de apontamentos, e justamente por não se existir um manual, não se sabe quais as reais responsabilidades e obrigações desse exame. Ressalta que não se busca ocultar nenhum ponto, pelo contrário, o que se deseja é uma transparência. Nesta linha, contribui que a LGPD deve ser levada em consideração, já que a matéria de prestação de contas trata-se sobre o compartilhamento de valores e informações de cunho particular, como contas bancárias.

Por fim, frisa o palestrante a importância da autonomia partidária na análise de contas. Fato é que o partido pode gastar, dentro das normas, com o que quiser, mas precisará prestar contas. O tema é uma relação entre auditoria e advogados, e ambos devem contribuir

Em continuidade no debate, Denise Schlickmann inicia sua fala, discorrendo sobre a imagem do ente político, que não há de ser relacionada à demérito algum, e a prestação de contas e alterações neste âmbito devem ser analisadas, vez que tal imagem não pode ser alterada.

Veja-se, em relação ao assunto proposto, que é importante destacar que a prestação de contas perante a Receita Federal apresenta restrições, e a Justiça Eleitoral tenta alinhar o foco. Com tal alinhamento, é inegável concluir que o cumprimento das obrigações eleitorais é da Justiça Eleitoral. Com a alteração, o rito administrativo e judicial muitas vezes pode vir a ser simplificado, com sanções irrisórias aos partidos, principalmente no que diz respeito aos diretórios nacionais. Como exemplo, a palestrante expõe que eventual desaprovação de contas de determinado partido, que trabalha com milhões de reais, gerará condenação de no máximo trinta mil reais, valor que não se apresenta razoável.

Em discordância com as alterações propostas pelo Novo Código Eleitoral, a palestrante compartilha que é grave a blindagem da atuação partidária na esfera financeira (que poderá surgir). Com a contratação de empresas terceiras, poderá a Justiça Eleitoral perder material importante para a fiscalização. Em conclusão, compartilha que uma eventual proteção indesejável aos partidos políticos deve acabar, com caminho certo a uma prestação de contas segura.

Fidélis inicia a primeira rodada de perguntas, questionando Gustavo Kanffer sobre quais são os principais problemas do modelo da proposta do novo Código Eleitoral, a qual revela o descontentamento dos partidos políticos com a forma que a Justiça Eleitoral vem analisando as contas das agremiações.

Para responder essa questão, Kanffer utiliza-se de 3 exemplificações. O primeiro exemplo traz o órgão nacional que só cumpre a suspensão com a juntada do AR aos autos, de acordo com o Código de Processo Civil. No entanto, o sistema não registra essa data, registrando apenas a data do trânsito em julgado, o que representa de cinco a seis milhões na prestação de contas do partido político, mostrando a defasagem desse sistema. No segundo exemplo, utiliza-se das passagens aéreas, tendo em vista que a fatura revela o passageiro, o vínculo, o trecho, o evento e outras coisas. Todavia, com o recebimento das diligências, pede-se as fotos do evento, e quando há pouca foto, pergunta se está na rede social ou pede a ata. O questionamento do palestrante é se começar a haver questionamentos sobre a ata e discordância do evento. Por fim, utiliza o exemplo da propaganda eleitoral, em razão da propaganda ser veiculada na rádio e na televisão, e que os partidos devam juntá-las no PJe, porém, o sistema suporta uma capacidade menor do que o necessário, questionando a integração dos sistemas.

Já em resposta à segunda pergunta, Denise Schilickmann trata sobre a possibilidade do modelo proposto ser uma afronta ao dever constitucional dos partidos prestarem contas à justiça eleitoral, e se faz sentido questionar a inconstitucionalidade do modelo. Para Denise é possível que sim, visto que existem muitas restrições à prestação de contas no novo modelo proposto, e por isso, há inconstitucionalidade. Aponta que deve haver uma reflexão sobre esses pontos de restrições. Considerando a obrigação da Justiça Eleitoral examinar as contas, opina que tal competência será tolhida por uma informação diminuída, que chegará sobre um aspecto que não permitirá identificar as infrações. Dessa forma, acredita que os magistrados devem ter condições de examinar as informações, visto que se o projeto for aprovado da forma com que ele está, não será possível extrair informações necessárias para o exame de regularidade completo.

Em seguida, Gustavo Kanffer é questionado se a proposta do novo Código Eleitoral, que determina que as contas dos institutos e fundações que recebem recursos públicos não sejam analisadas pela Justiça Eleitoral, assegura o princípio da autonomia partidária. Para o palestrante, deve-se, sobretudo, analisar pelo próprio Código Civil, em razão de que as contas das fundações já são fiscalizadas e possuem certa autonomia.

Por fim, Denise Schlickmann respondeu sobre a prestação de contas pelo sistema de escrituração digital da receita federal, previsto no novo código eleitoral.  Dessa forma, o palestrante discorreu que a Justiça Eleitoral não tem competência para realizar a fiscalização de contas de partido. Em um pleito de reforma, foi dito inclusive que a Justiça Eleitoral não tem interesse em realizar tal fiscalização. O que verdadeiramente importa, é saber a fonte de recursos e se a aplicação de fundos está seguindo os parâmetros legais.

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ENFOQUE

(In)fidelidade partidária: Evolução e desafios legislativos e jurisprudenciais

 

Andrea Sabbaga de Melo | Vânia Aieta | Gustavo Paim | Ministro Carlos Horbach

A mediadora Andrea Sabbaga de Melo abre o painel, destacando que a Constituição Federal atribui aos partidos políticos o monopólio do lançamento das candidaturas. Significa dizer que estão umbilicalmente ligados o eleitor, eleito e o partido político. A partir desse viés, há também uma necessidade constitucional de observar a fidelidade partidária. O painel trata da fidelidade partidária a partir de uma inovação da Constituição federal advinda da Emenda Constitucional nº 111/2021, que agregou ao artigo 17, parágrafo sexto, disciplinando que deputados federais, estaduais, distritais e vereadores perdem o mandato eletivo ao se desfiliar do partido político, exceto se houver anuência do partido ou outra justa causa prevista em lei. A partir dessa proposta, então, os painelistas abordam temas recentes e que serão impactantes nas próximas eleições a respeito, justamente, da fidelidade partidária ou infidelidade partidária, a partir de suas respectivas óticas.

A expositora Vânia Aieta destaca que o tema é antigo, mas sempre inovador. Hoje vê-se um protagonismo de um certo discurso conservador e moralista de que os partidos seriam os grandes vilões em matéria de representatividade. Vânia diz que temos que parar com essa lógica “do isso ou aquilo”. Todos têm uma certa carga de responsabilidade em muitas das mazelas que vivemos, pois o jogo político é sempre muito difícil, onde os vencedores sempre vão querer que seus interesses sejam exitosos nas disputas.

Os partidos hoje são instituições frágeis e muitas pessoas computam a fragilidade do sistema partidário a quantidade imensa de partidos, mas o Brasil paga o preço por anos ditatoriais para que essas instituições ficaram fragilizadas. Os partidos políticos, assim como outras modalidades de representação na sociedade, têm sua importância. O fato de o partido não gozar de um exclusivismo não quer dizer que não tenha sua importância. O que hoje vivemos em termos de estrutura interna e de falta de democracia se deve sobretudo, ao meu sentir, ao modelo de financiamento que foi implementado pelo Brasil.

Deve-se pensar: quem é o infiel? Até então, a infidelidade tinha somente como sujeito o parlamentar eleito. Mas hoje, deve-se analisar a situação concreta. A infidelidade pode residir no partido que assumiu o poder. Vejamos as questões das filiações. Então, às vezes é o partido que não está em consonância ao que aquele parlamentar vive politicamente: às vezes é ele quem mantém sua posição política, e a agremiação no exercício do poder nega os caminhos trilhados.

A reforma partidária sempre foi a sugestão, mas todas as reformas feitas até hoje só fizeram a situação piorar. Hoje temos uma quantidade grande de recursos concentrados nas mãos dos dirigentes (as pessoas que mais atuam, não recebem um centavo). Sem dinheiro e sem estrutura não se faz nada. Então, criou-se esse financiamento com toda uma carga de moralismo, que veio como salvador da pátria, como se a corrupção no brasil fosse resolvida com o modelo de financiamento. Se vilanizou outras modalidades de financiamento e o que se fez foi um modelo mal feito. Essa questão guarda grande relação com o tema da infidelidade, pois quem não tem recurso e é estagnado pelo partido político, vai se manter fiel a quê?

Ainda existe fidelidade, mas deve-se ter um limite: a fidelidade precisa ser construída a partir de parâmetros honestos, seguros, dignos, que façam a pessoa ter uma ambiência sadia dentro dos partidos políticos, mas eu acredito em ideologias, elas existem e são saudáveis e os partidos com ideologia definida são o melhor desenho para a reforma partidária. Tem muito partido, eles têm que diminuir e acredito que a federação pode dar um início de pensarmos em blocos mais seguros, mas os parâmetros para essa união teriam que ser mais ideológicos.

Sabemos que as massas podem ter preconceitos ideológicos reduzidos, estarem despidas dos programas políticos que nos parecem iguais, mas devemos perceber que o cidadão politicamente ativo pode questionar, participar.

A vontade de melhorar o país e o sistema partidário, para que possamos alcançar essa difícil empreitada, ainda que tenhamos ferramentas rudimentares e inadequadas, e os partidos tenham sido colocados dessa maneira, não podemos dispensá-los. Eles ainda são uma boa ferramenta, se utilizados de maneira democrática e oxigenada. São ferramentas de participação.

O fato de termos novos desenhos de representatividade, não quer dizer que temos que jogar fora tudo que veio até então. Então, os partidos políticos guardam uma grande importância para o nosso país. Acredito em partidos ideológicos e eles existem, o que precisamos é ajudar os partidos. os partidos não são os violões, o sistema, da forma como foi colocado, sobretudo o modelo de financiamento, foi que gerou o problema. Os dirigentes nacionais dos partidos viraram verdadeiros imperadores romanos nas agremiações partidárias. Devemos mudar a forma como o poder interno dentro dos partidos está estruturado. Quando conseguirmos vencer a oligopolização, a partir daí começaremos um novo caminho para os partidos políticos. De acordo com Vânia, é preciso mudar a política imperial dos dirigentes nacionais. Há candidatos, sobretudo mulheres, recebendo o dinheiro na sexta-feira que antecede a eleição. Então, não se pode cobrar fidelidade. Quem é o infiel? Depende. Pode ser o candidato ou a própria agremiação.

Na sequência, o expositor Gustavo Paim destaca que esse é um tema recorrente. Para ele, há demonização da política e esse é o grande problema. Os profissionais têm medo de entrar num ambiente em que tudo é demonizado, o que afasta os bons da política, e nos traz problemas.

Falar sobre fidelidade partidária é falar sobre segurança e insegurança. A fidelidade é boa e a infidelidade é ruim. Então falar mal de infidelidade, é fácil. Se é infiel, está no lado errado.

Aqui, é preciso fazer uma análise sobre a ideia de fidelidade partidária: é fidelidade do partido ou do parlamentar?

A origem da fidelidade partidária no Brasil merece discussões. A Emenda Constitucional nº 24/85 excluiu essa modalidade. O constituinte de 88 não foi omisso: houve uma deliberação consciente de não constar a perda de mandato pela mudança de partido, pois entenderem que essa situação não caberia. É um silêncio eloquente. Por isso, o STF assim entendeu: o mandato é do parlamentar e não do partido.

Em 2006, houve mudança significativa de mandatários eleitos. Então, se fez a Consulta nº 1398, que tem o marco: é criada a resolução que prevê que quem mudar de partido sem justa causa, perde o mandato.

Me parece que se foi uma solução para o problema concreto, não foi a melhor resposta para um ordenamento jurídico: deveria ter sido feita por lei, e melhor, pela constituição.

Em 2021, foi constitucionalizado. O Congresso tinha dificuldades de afastar um parlamentar. O TSE foi provocado a partir de decisões do STF, que instou o TSE a legislar, a fazer a resolução, a disciplinar ritos procedimentais (competência do legislativo federal). O TSE legislou sobre processo e hipóteses de justa causa.

Tanto a consulta, resposta, decisão do STF e resposta do TSE foram sobre eleição proporcional, mas o texto inclui a eleição majoritária.

A verdade é que se tinha normalizado em 1º grau e extrapolado um pouco o ordenamento jurídico.

A ADI 5081, em 2015, resolveu que não se aplica a eleição majoritária. Tem uma lógica por trás disso: no proporcional, primeiro votamos no partido, e depois indicamos o candidato. É aí que a fidelidade partidária se justifica.

O fato é que o art. 22-A retira as justas causas objetivas, mas mantém as justas causas subjetivas, que são as mais difíceis de se identificar no caso concreto. Se inclui uma nova causa objetiva, no entanto, que é a janela partidária.

Tem-se o questionamento: fusão e incorporação é justa causa ou não? Porque não estava na lei, mas estava na resolução. Para resolver essa questão, entendo que devíamos parar no caput: a fusão é resolvida pelo caput. Na fusão, se cria um partido novo, de modo que quem se elegeu pelo partido A ou B não se elegeu pelo partido C. O caput resolve em parte a incorporação, pois o incorporante permanece e quem desaparece é o incorporado. Eles poderiam, portanto, mudar de partido, sem perder o mandato.

Com a palavra, o Ministro Carlos Horbach destaca que a EC 11/78 explicita o aspecto relevante da constituição de um novo partido, pois naquele momento se começava a sair do bipartidarismo artificial do regime militar. Esses dispositivos são interpretados pela doutrina do direito constitucional de um lado e da doutrina de direito eleitoral de outro como reforço ao poder político da época.

Se inserir no contexto de manutenção do poder e da hegemonia política das bases do regime autoritário. Esses dispositivos deixam uma diferença entre o que é infidelidade partidária (tem na sua essência a função de preservar as diretrizes programáticas do partido). Por outro lado, o combate ao (tem o viés de punir o deputado que, eleito por uma legenda, se afasta para participar de outra agremiação).

A função da perda do mandato de quem se afasta do partido como forma de reforçar ao poder político autoritário de 64 pode ser constatada na Consulta 6988, apreciada em 1984. A questão da fidelidade, abordada durante o regime autoritário, é se os integrantes do partido A podiam votar no partido B, de oposição, sem que tivessem que perder o mandato.

Naquele momento, se entendia a fidelidade partidária e combate ao transformismo como instrumento de combate ao poder autoritário e ditatorial.

Nesse contexto, era muito natural que a assembleia nacional constituinte não tivesse a menor simpatia por esse instituto. Era natural que não tivesse interesse pela fidelidade partidária, que era enxergada como um entulho autoritário, que eram mecanismos de dominação política do antigo regime que se pretendia desmontar com a CF de 88.

O debate da CF de 88 rechaça a fidelidade partidária nos mesmos moldes: previu, contudo, a fidelidade nos termos estabelecidos pelos partidos, sem a perda do mandato eletivo. Não há no nosso ordenamento jurídico constitucional, na sua essência, esse instituto, que foi introduzido num contexto político muito específico, que gerou uma reação jurisprudencial em um primeiro momento e em seguida uma legislativa. O STF realizou uma mutação constitucional e o parlamento reagiu por meio de lei, e depois por meio de Emenda Constitucional.

Para o expositor, temos um ambiente para construir um sistema partidário forte, rígido, que não demanda necessariamente esse instituto cuja aplicação tem sido pautada por um casuísmo muito grande.

Na sequência, ao responder a pergunta “a inclusão de um partido na federação partidária pode dar ensejo à justa causa para desfiliação, sem perda do mandato?”, Vânia Aieta acredita que sim. Existe o princípio da fidelidade partidária no art. 17. Quando se fala em autonomia partidária, há possibilidade de o partido se organizar e traçar normas internas. É preciso falar de fidelidade partidária, mas também do modelo partidário que gera situações absurdas, tanto que a federalização é uma tentativa de se enxugar essa quantidade de partidos gigantescos, que em 69 foi criado justamente para manter a dominação. Para Vânia, o parlamentar tem o direito de sair.

Ao responder a pergunta “quais respostas a corrente favorável à desfiliação por anuência do partido poderia nos fornecer?”, Gustavo Paim destaca que a carta de anuência entra no contexto da relação entre o mandatário e o partido político. Para ele, parece um justo e bem feito acordo que pode trazer uma ideia de respeitar a liberdade do parlamentar e do partido, que muitas vezes não quer mais manter o parlamentar nos seus quadros.

Por fim, o Ministro Carlos Horbach foi questionado sobre a seguinte questão: o detentor de cargo eletivo desfiliado do partido pelo qual se elegeu por justa causa amparada na anuência do partido, ao filiar-se, posteriormente, a partido com programa substancialmente diferente daquele pelo qual foi eleito, cometeria fraude à vontade popular?

Em resposta, o Ministro ressalta que a mudança constante de partido não parece ser a causa da erosão do sistema partidário, mas um sintoma. Tanto a questão das cartas de compromisso quanto a carta de anuência são exceções a esse modelo como válvula de escape de uma imposição fidelidade que foi artificialmente, ao seu ver, construída pela jurisprudência. Dentro desse contexto, não se pode dizer que há fraude à vontade popular. Existe a observância de uma dinâmica própria do sistema parlamentar brasileiro que tem suas mazelas mas que tem dentro da própria tessitura constitucional brasileira uma grande liberdade exatamente porque assim quis o constituinte originário depois de um período de muita repressão às diferentes forças políticas e partidos.

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Presidente do Instituto Paranaense de Direito Eleitoral: Ana Carolina de Camargo Clève

Presidente do VII Congresso Brasileiro de Direito Eleitoral: Paulo Golambiuk

Equipe de Relatoria: Alexia Caroline Gonçalves de Assis, Alice Veras Maul, Amanda Aciari, Ana Luiza Lavorato, Andrielly Ruth Figueirôa do Nascimento, Bruno de Oliveira Cruz, Carolina Pellegrino, Deisiely Oliveira Weiber, Gabriella Franson, Guilherme Isfer Garcia, Guilherme Morais Régis de Lucena, Isabela Benedetti Sebben, Isabelle Pinheiro Jackiu, Jonas Emanoel Batista da Silva Mota, Julia Penteado, Lucas Ceolin Casagrande, Lucas Silvestre Machado, Marcelo Antônio Lopes, Maria Vitória Bittar Daher da Costa Ferreira, Mateus Quinalha, Murilo de Campos Soares, Pedro Abrantes Martins, Pedro de Oliveira Maschio Carboni, Sandra Keiko Yoshikawa, Stephany Patricio, Vinicius Silva Nascimento, Vítor Gabriel Kleinert, Wesley Bergonzine, William Dissenha

Equipe de Comissários: Caroline Alberini, Juliano Pietzack, Márcio Timotheo, Nahomi Helena, Rafaele Wincardt, Roberta Guimarães, Tainara Laber, Waldir Franco Félix

Equipe de Comunicação e Mídias Sociais: Luiz André Velasques, Laura Hoffmann Weiss, Carlos Eduardo Pereira, Ana Paula Rusycki, Gabriel Estevão, Lorena Beatriz Chagas, Matheus Carvalho e Manuela Gonçalves