“Confiança é a base de sustentabilidade de qualquer regime democrático e deve ser protegida ativamente.” Com esse entendimento, o advogado Luiz Eduardo Peccinin apresentou, nesta quinta-feira (13), o painel “Justiça Eleitoral e democracia militante: o Caso Francischini”, referente à perda de mandato e inelegibilidade do deputado em 2021. A exposição faz parte da série Precedentes realizada pelo IX Congresso Brasileiro de Direito Eleitoral (CBDE).

Sobre o caso

Em 2018, no dia da eleição, o então deputado federal paranaense Fernando Francischini fez uma live para espalhar notícias falsas de que duas urnas estavam fraudadas e, aparentemente, não aceitavam votos no então candidato à presidência da República Jair Bolsonaro. Na transmissão, ele também afirmou que urnas tinham sido apreendidas e que ele teria tido acesso a documentos da Justiça Eleitoral que confirmariam a fraude.

Apesar de publicado na reta final do horário de votação, o vídeo foi assistido ao vivo por cerca de 70 mil pessoas e, até ter sido retirado do ar, pouco mais de um mês depois da publicação, contava com 400 mil compartilhamentos, 105 mil comentários e 6 milhões de visualizações.

Peccinin explicou que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) fundamentou a decisão no reconhecimento da prática de abuso de poder político e de autoridade e no uso indevido dos meios de comunicação pela realização de uma live no dia de eleição.

Assim, por 6 votos a 1, Francischini perdeu o mandato e foi declarado como inelegível pelo TSE por divulgar notícias falsas contra o sistema eletrônico de votação.

Defesa

O advogado relembrou as defesas sustentadas pelo então deputado. Em resumo, Francischini argumentou que a prática de uso indevido dos meios de comunicação “requer a comprovação da utilização de veículos de imprensa, tais como rádio, jornal ou televisão, em benefício de determinado candidato”, bem como a exposição massiva desse candidato frente a outros.

Sobre isso, o expositor afirmou que há um consenso sobre o fato de que a internet e as redes sociais são meios de comunicação social e, portanto, instrumentos que podem ser objeto de abuso e de prática de ilícitos.

A defesa de Francischini alegou ainda que o vídeo não tinha finalidade eleitoral e que havia sido postado às 16h38, não podendo comprometer a legitimidade da eleição para presidente da República e que, pelo horário publicado, o deputado ainda estaria protegido pela imunidade parlamentar.

Neste contexto, Peccinin advertiu que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, há muitos anos, que a imunidade parlamentar não é escudo de proteção para a prática de crimes ou ilícitos, especialmente quando não relacionados diretamente ao exercício do mandato.

Abuso eleitoral

O palestrante explicou que o ponto que mais chama atenção neste caso é o reconhecimento do abuso eleitoral a partir do fato do alvo deste abuso ser o sistema eleitoral e a democracia em si. “Normalmente, esperamos que casos de abusos eleitorais envolvam ofensas, ilícitos ou favorecimento direto de um candidato na competição, não ataques à democracia”, comentou.

Peccinin pondera ainda que não houve apenas um leading case em matéria de abuso de poder, no mérito da questão decidida, mas uma “viragem institucional” ou de “posição institucional” da Justiça Eleitoral, de proteção não apenas da lisura e da normalidade da paridade de armas eleitoral e de vigilância das regras do jogo, mas de defesa da existência do jogo em si.

Com isso, observou um contexto de potencial crise democrática em que instituições de Estado, incluindo a Justiça Eleitoral, podem ser colocadas em xeque por representantes eleitos e por um sistema massivo e organizado de milícias digitais com a finalidade de propagar a desinformação.

Nesse sentido, o expositor enfatizou que a confiança é a base de sustentabilidade de qualquer regime democrático e que, portanto, deve ser protegida ativamente. Rememorou ainda que, poucos meses antes, o então presidente da República propagava que “sem voto impresso não terá eleição” e que o Brasil teve sua própria “invasão ao Capitólio”, fato ocorrido nos Estados Unidos em janeiro de 2021 e que se assemelha aos atos antidemocráticos praticados em janeiro de 2023 no Brasil.

Conclusão

Diante disso, Peccinin recordou que “a nossa Constituição escolheu a Justiça Eleitoral para proteger os pilares fundamentais da democracia” e clamou para que a democracia não seja um pacto suicida, mas que esta possa agir de forma constitucional, substancial, programática e compromissória. “Não há sentido em se falar em liberdade de expressão, em autonomia partidária, em imunidade parlamentar, a não ser dentro do contexto de um regime democrático”, concluiu.