Ativismo e autocontenção em matéria eleitoral

A questão da caracterização do ativismo judicial e seus reflexos à sociedade na seara eleitoral sob o enfoque da segurança jurídica e a garantia a um Estado Democrático

Néviton Guedes | Walber Agra | Clarissa Maia

Para Néviton Guedes, o tema do ativismo judicial tem desencadeado muita preocupação, mormente na seara eleitoral, pois a democracia brasileira perde efetividade quando se admite – e até mesmo se exige – que o juiz extrapole as fronteiras inerentes à sua atuação.

Segundo o desembargador, há uma grande confusão em torno do próprio conceito de ativismo, utilizando-se do entendimento do Ministro Roberto Barroso, o qual define o ativismo judicial a partir de 3 constatações: (i) quando o Judiciário declara a inconstitucionalidade de atos normativos a partir de critérios não rigorosos; (ii) quando o Judiciário aplica diretamente a Constituição sem regulamentação pelo legislador e (iii) quando o Poder Judiciário passa a realizar diretamente políticas públicas sem previsão normativa.

Verifica-se o ativismo judicial, ainda, quando o juiz toma decisões que fogem aos limites semânticos e sintáticos da linguagem jurídica. Ou seja, quando encontra na norma legislativa um significado que não é inerente a ela. Quando há alguma dúvida quanto ao significado da norma, deve o magistrado ficar restrito aos seus limites semânticos, sendo que uma eventual complementação em termos sintáticos deve ser buscada no próprio ordenamento jurídico. Já o ativista, via de regra, preenche essas lacunas com a moral, com a economia, com a política etc.

A rigor, o juiz deve agir em caráter substituto e extraordinário (de acordo com a doutrina de Chiovenda). No entanto, ao se reconhecer a existência de heróis no Poder Judiciário, está-se transformando o extraordinário em ordinário.

No Brasil, o juiz tem atuado quando o próprio legitimado poderia atuar – como no caso da não atuação do legislador que é substituída pelo Judiciário. Há os mais diversos exemplos, desde a discussão sobre aborto fomentada pelo Judiciário até o deferimento de compra de medicamentos de alto custo sem o devido processo licitatório e previsão orçamentária.

Conclusivamente, o ativismo tem grandes consequências porque rompe com a segurança jurídica e com a orientação de sentido de direito, impactando nas mais diversas áreas da sociedade.

Em referência ao contraponto firmado por Walber Agra, o Poder Judiciário não teria caráter apenas jurídico, mas também político. A politização do Judiciário não pode ser vista como última finalidade, porém é aceitável uma vez que todos são seres políticos.

Não há balizas claras para determinar o que é ou não é politização do Judiciário, mas há alguns indicadores que permitem identificar indícios dessa politização. O ativismo tem requisitos jurídicos e pressupostos fáticos, sendo que ocorre pelo vácuo metajurídico deixado pelo legislativo.

O advogado admite, ainda, o ativismo judicial na seara eleitoral, mormente no que tange ao poder de polícia – desde que atuando dentro da legalidade. Afirma também que há a possibilidade de mitigação do ativismo, mas não existe um meio de ignorá-lo ou extingui-lo.

Por fim, ressalva-se que a meritocracia que permeia o Poder Judiciário não pode fomentar a construção de uma classe aristocrática que vise impor à sociedade um moralismo autoritário.

A advogada Clarissa Maia compartilha da imprecisão sobre os limites em relação ao ativismo judicial, bem como da angústia com a falta de compromisso dos magistrados ao desenvolver a jurisprudência ativista. Trata-se de um fenômeno analisado pelos aplicadores do direito somente após a sua realização.

Há, ainda, a preocupação que toca ao funcionalismo público judiciário – o qual vem se colocando como o último sopro de republicanismo, como se este Poder fosse o referencial máximo de Estado. Tem-se uma transferência de esperanças ao judiciário que faz com que os magistrados se coloquem na posição de justiceiros, aliada à falsa concepção de meritocracia.

A preocupação se agrava na medida em que o ativismo judicial brasileiro, historicamente, não tem perfil garantista, tendo em vista que sempre foi subserviente a um regime de manutenção de poder – principalmente nos momentos autoritários.

A partir do marco constitucional de 1988, o judiciário brasileiro sofre uma reviravolta institucional. Clarissa não consegue identificar nele, contudo, uma mudança estrutural de valores, vez que continua carreirista, hermético e configura uma elite da sociedade que não mostra de fato qual é o seu perfil.

No âmbito eleitoral, verifica-se que a justiça já nasce com um viés moralista, o que contribui com a demonização e desqualificação da política. Nesse sentido, a justiça eleitoral se coloca aberta a um fundamento que rejeita o próprio direito.

No modelo de governança judicial eleitoral, há alguns elementos que agravam a situação, como a vinculação do TSE ao STF. Como a questão eleitoral em muitos momentos assume caráter constitucional, não raro se espera por pronunciamentos do STF.

O ativismo judicial também se manifesta em ações administrativas da justiça eleitoral, como, por exemplo, por meio das resoluções eleitorais que inovam constantemente o ordenamento jurídico. Assim, se a norma eleitoral é insegura, o próprio Estado Democrático resta comprometido.

Identifica-se, ademais, um grande ativismo extraprocessual quando Ministros e juízes eleitorais se manifestam publicamente sobre assuntos e processos em andamento, de forma a defender determinados pontos de vista que acham convenientes. Isso se dá em sede individual, mas também coletiva, quando Associações de Magistrados defendem determinada pauta (como, por exemplo, a lei da ‘ficha limpa’).

Por consequência, o ativismo judicial, ao não conseguir responder às demandas da sociedade, desencadeará uma deslegitimização dos próprios juízes, colocando-os no mesmo viés de demonização da política. Aos políticos resta a soberania popular, e aos juízes?

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Período pré-eleitoral. Limites na propaganda e no financiamento: o julgamento do TSE nos casos de Lula e Bolsonaro reforça ou altera a jurisprudência anterior?

Os aspectos financeiros e formais da pré-campanha, a necessária observância quanto ao financiamento em vista do conteúdo da propaganda, em especial num cenário de lacuna normativa

Henrique Neves | Gustavo Guedes | Carla Karpstein | Rogério Galindo

Henrique Neves afirmou que a lei eleitoral tem um período curto para reforçar a igualdade de chances entre os candidatos. Na prática, contudo, o objetivo é economizar dinheiro.

Desde o início do ano eleitoral, os institutos de pesquisa registram na Justiça Eleitoral as pesquisas com o nome de quem pretende concorrer. Todos os jornais discutem e falam sobre isso, inclusive sobre os problemas internos do partido em relação à escolha dos candidatos. Em suma: todos podem opinar, menos o candidato.

O ex-Ministro afirmou que sempre foi contra a jurisprudência que considerava toda a forma de propaganda na pré-campanha irregular.

Houve uma reação do Congresso, que modificou novamente o art. 36-A para delimitar os atos que não configuram propaganda antecipada, colocando como vedação apenas o pedido explícito de voto.

Em questão de propaganda, a Lei n.º 9.504/97 traz 13 permissões do que é possível ser feito na propaganda. Ainda, há 21 permissões controladas (“pode, desde que…”) e 36 proibições, além de 7 crimes diretamente relacionados à propaganda eleitoral.

O ex-Ministro ressaltou que democracia é a palavra mais adjetivada que existe, podendo ter o melhor ou o pior grau de eficiência. Nesse contexto, existem dois pilares fundamentais: informação e transparência. Pondera-se o direito à informação e liberdade de expressão.

Henrique Neves é claro ao expor que não há como o eleitor votar se não conhecer o candidato, “se vedarmos tudo, como é que o cidadão pode exercer seus direitos?”. É uma preocupação a limitação desse debate, o qual faz parte da própria democracia. Esse é o caso da dificuldade das candidaturas femininas, já que, para ser candidato, deve haver propaganda, e isso custa dinheiro.

Quanto à limitação, temos que ter cuidado quando começamos a restringir tomando por base um ou outro pré-candidato, como no caso de Lula e Bolsonaro, pois o que for definido para estes será definido para todos os demais.

Limitar o debate que faz parte da democracia, seja liberdade de manifestação de pensamento e de informação, é preocupante.

Para Carla Karpstein, não existe pré-campanha. Assim, quando se rotula algo que não existe criam-se problemas que não existem. Todas as últimas mudanças na legislação restringiram a propaganda e o período de campanha, em prol de uma restrição de custos, oriunda de uma série de escândalos de corrupção. Após o Mensalão, houve a primeira grande reforma em relação à restrição da propaganda.

O objetivo utópico é que os candidatos tenham igualdade de oportunidades, para que o eleitor possa ter a opção de escolher o melhor candidato. Ocorre que, se a divulgação é restritiva, ela acaba privilegiando quem já tem mandato. Assim, precisa-se de uma válvula de escape.

É claro que a legislação deixou em aberto o período que antecede o registro, cabendo aos tribunais, especialmente o TSE, evitar a restrição, permitindo que o eleitor tenha outras opções que não aqueles candidatos já ocupantes de cargos eletivos.

O grande problema do período pré-registro é o financiamento. Quem detém mais dinheiro tem mais possibilidades de divulgação de sua campanha, independentemente do sistema eleitoral posto. A legislação tenta coibir isso de uma forma ou de outra.

O controle dos gastos de pré-campanha deve ser feito pelo próprio partido, no caso concreto, sob o viés de abuso. Nesse sentido, pode-se diminuir a margem de subjetividade.

Nossa legislação fica se reescrevendo para não tratar do principal: estabelecer um novo e bom sistema, em especial quanto ao financiamento. Para Karpstein, nosso problema é cultural e não muda do dia para a noite. Para isso, discute-se como a população, que estava avessa à política e aos políticos no geral, pode ser trazida novamente ao processo eleitoral.

Segundo Guedes, as proibições da campanha antecipada também valem para a pré-campanha,. Assim, antecipam-se as proibições de campanha, discutindo-se, notadamente, forma em vez do conteúdo, já havendo decisões de alguns Tribunais Eleitorais a respeito.

Para o advogado, o que é proibido na campanha deve ser proibido na pré-campanha. É importante proibir a participação das pessoas jurídicas desde já e regulamentar isso. Minimizar a diferença entre candidato rico ou pobre.

Para Guedes, a pergunta que deve ser feita é se deveríamos ou não controlar a propaganda antecipada. Ao mesmo tempo em que há receio do controle exacerbado, a experiência da advocacia trouxe a conclusão de que não há área maior para burlar a lei que o direito eleitoral.

A inventividade, sobretudo no direito eleitoral, é muito grande. O controle é difícil, mas necessário. Por isso, em que pese o advogado tenha receio do controle exacerbado, ele é importante, já que controlar a propaganda eleitoral é tão difícil quanto controlar o WhatsApp.

Os casos de Lula e Bolsonaro, em sua dinamicidade, não importam mais para o painel, pois eram relacionados com a jurisprudência anterior, antes da alteração do art. 36-A e do entendimento que vem se perfilhando.

Hoje, o importante para a discussão do tema são os casos de Itabaiana (REsp n.º 4346) e Várzea Paulista (Agr no AI n.º 924), nos quais se discute se o entendimento do TSE a respeito de propaganda antecipada será alterado. Guedes ressalta que não se pode esperar que haja pedido explícito de voto, por conta da inventividade do marqueteiro.

O advogado conclui que se deve coibir mais a parte financeira, ou seja, quem está financiando e pagando a propaganda antecipada. Assim, é melhor regulamentar o tema no ponto de vista do financiamento, do que quanto ao mérito da propaganda.

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Presidente do VI Congresso Brasileiro de Direito Eleitoral: Luiz Fernando Casagrande Pereira

Presidente do Instituto Paranaense de Direito Eleitoral: Moisés Pessuti

Equipe de Relatores: Paulo Henrique Golambiuk, Maitê Marrez, Guilherme de Abreu e Silva, Isabel Arruda Quadros da Silva, Rafaele Balbinotte Wincardt, Emma Roberta Palú Bueno, Roberta Alves Pinto Guimarães, Wagner Luiz Zaclikevis, André Eiji Shiroma, Waldir Franco Félix Júnior, Caroline de Fátima Helpa, Eliane Bavaresco Volpato e Yasmin Brehmer Handar

Equipe de Comunicação: Luiz André Velasques, Nicole Wibe Silva e Carlos Eduardo Araujo