Autonomia dos partidos políticos: as últimas alterações legislativas e decisões judiciais acertaram na dosimetria da interferência?

A autonomia partidária deve ser interpretada de acordo com os vetores normativos previstos no caput do art. 17 da CF

Min. Carlos Horbach, Marilda Silveira, Ruy Samuel Espíndola, Luciano Guimaraes Matta

Ruy Samuel Espíndola afirmou que o princípio democrático é o que estrutura todo o nosso sistema constitucional e se irradia aos partidos, de modo que as agremiações devem se organizar internamente, estabelecendo procedimentos adequados para, por exemplo, evitar que os órgãos de direção nacional interfiram de forma indevida nas esferas locais.

Espíndola também disse que os conflitos intrapartidários devem ser resolvidos pela justiça mais capacitada para fazê-lo, que para ele é a Justiça Eleitoral. Nesse ponto, ressaltou que não é necessária reforma constitucional, pois a competência da Justiça Eleitoral é definida por lei.

O debatedor ressaltou também que é preciso ampliar a “polifonia democrática”, isto é, liberar outros atores a participarem do debate político, até para se contrapor aos partidos, como os sindicatos. Espíndola, nesse sentido, afirmou ser favorável às candidaturas avulsas.

Marilda Silveira lembrou que a crise de legitimidade enfrentada pelos partidos não é só no Brasil, é mundial. Sobre a autonomia partidária, disse que serve como blindagem para a atuação dos partidos e ressaltou que a leitura do tema é mais complexa. Para ela, não é possível tratar a autonomia partidária “na baciada”. É importante definir a que se refere essa autonomia, se financeira, administrativa ou para o processo eleitoral.

A autonomia que a Constituição deu aos partidos, segundo Silveira, é a administrativa. A autonomia não é ampla no aspecto financeiro nem para o processo eleitoral, pois limitada pelos princípios da soberania, pluripartidarismo, democrático e pelos direitos fundamentais. Para Silveira, não se pode deixar na esfera intrapartidária as decisões que afetam a vida das pessoas.

Depois de questionada, a debatedora afirmou que a cláusula de desempenho é importante, mas não pode ser lida individualmente. De um lado, ela resolve o problema da fragmentação dos partidos na tomada de decisões. Por outro, a cláusula de desempenho é ruim, pois impede o acesso, por partidos menos expressivos, aos recursos do fundo partidário e ao tempo de propaganda eleitoral gratuita. Para Silveira, há dúvida sobre a constitucionalidade da cláusula de desempenho nesse aspecto, considerando-se o princípio do pluripartidarismo previsto na CF.

Para o Ministro Carlos Horbach, há cada vez mais descrença nos partidos e na política em si, e a negação da própria política acaba sendo apontada como a solução, o que é perigoso. Para o Ministro, a autonomia partidária deve ser interpretada de acordo com os vetores normativos contidos no caput do art. 17 da CF.

A autonomia, segundo Horbach, não é um fim em si mesmo, mas instrumento para a realização das garantias fundamentais. A autonomia se submete aos vetores do caput do art. 17 da CF e só se justifica enquanto protetora desses referenciais para garantir um mínimo de legitimidade aos partidos.

O Ministro concluiu que a atuação da Justiça Eleitoral deve ser vigilante para asseverar que a autonomia partidária não sirva de escudo para a negação dos princípios previstos no caput do art. 17.

 

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A relação entre os fundos partidário e eleitoral: a Justiça pode e deve exercer algum controle na distribuição do dinheiro de campanha? Lições da ADI 5617

Estabelecer critérios mínimos para a utilização do fundo eleitoral, em homenagem à isonomia e à igualdade de chances para o acesso a mandatos eletivos, é uma função fundamental do poder judiciário .

Eugênio Aragão, Min. Admar Gonzaga, Min. Sergio Banhos, Thiago Bovério

O uso do fundo partidário para o financiamento de campanhas levanta questões quanto à necessidade de se estabelecer critérios para a distribuição dos recursos entre os candidatos, especialmente no que tange à transparência e atenção às minorias.

Eugênio Aragão identificou que as fragilidades do sistema político, sobretudo a precarização pelos partidos de suas funções precípuas, ensejaram maior interferência do judiciário sobre a autonomia partidária. O fundo partidário, que deveria ser destinado à estruturação das agremiações, muitas vezes, compõe uma poupança eleitoral, a ser investida em campanhas. Este desvio de finalidade do fundo resulta em partidos ocos, cujos programas são registrados por mera formalidade, e a migração interessada de candidatos para partidos nos quais já há recursos poupados para a campanha. Ele apontou, ainda, que a lei que instituiu o fundo partidário é anterior à criação do fundo eleitoral, de modo que, atualmente, não há sentido em se manter a destinação de recursos do fundo partidário – necessários ao fortalecimento do partido – para financiar campanhas, já que estas contam, agora, com os recursos específicos do fundo eleitoral.

Ponderou também que é legítimo o controle jurisdicional sobre o recém-criado fundo eleitoral, pois advém de recursos públicos, oriundos do contribuinte, sobretudo porque há um forte impulso para a sua eventual utilização desordenada. Ressaltou que, em geral, há maior prevalência de distribuição de recursos para candidatos mais próximos dos líderes partidários.

Para evitar disparidades, sugeriu a adoção de critérios de transparência intrapartidária, em vista da autonomia garantida constitucionalmente. Pelo princípio republicano, os filiados têm o direito de saber os critérios que justificam a distribuição. É legítimo ao partido, então, escolher estrategicamente os candidatos, de acordo com seus quadros, embora seja legítima a estipulação de ações afirmativas. Trata-se de aprimorar mecanismos de democracia intrapartidária.

O Min. Admar Gonzaga afirmou que o problema não é apenas a isonomia entre candidaturas, mas também reconhecer a necessidade dos partidos de alcançarem o coeficiente mínimo da cláusula de desempenho, razão que os leva a decidir de forma estratégica sobre a aplicação dos recursos. Por esta razão, a Justiça Eleitoral deve atuar com cautela e a partir de uma visão consequencialista. Isso porque é provável que os partidos invistam em Estados mais populosos e optem por candidatos mais conhecidos. Mesmo assim, deve prevalecer a mínima interferência do Poder Judiciário quanto à utilização dos recursos, considerando as circunstâncias que importam para a sobrevivência das agremiações.

O Min. Sergio Banhos expôs que a omissão legislativa pode gerar situações inconstitucionais. No entanto, é possível que a omissão do legislador seja deliberada. Nesse contexto, incumbe ao Poder Judiciário aplicar o melhor direito, com o objetivo de garantir direitos fundamentais, mas não invadir a competência legiferante. Sobre a aplicação dos recursos do fundo eleitoral, apontou a necessidade de respeitar o direito de sobrevivência dos partidos, por meio da escolha da destinação dos recursos aos melhores candidatos ou candidatas, isto desde que estabeleçam critérios mínimos aprovados pelos respectivos diretórios. O cenário não é impeditivo ao controle posterior do Poder Judiciário, já que os recursos são de origem pública.

Todos os debatedores concordaram que as decisões do STF e TSE, acerca da distribuição dos recursos conforme as cotas de gênero, não consubstanciaram interferência demasiada na competência legislativa, e sim derem efetividade à decisão do Poder Legislativo de prestigiar a igualdade de oportunidade, para torná-la também oportunidade de resultado.

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Registrabilidade X Inelegibilidade. Quais os caminhos possíveis para as impugnações de registro em 2018?

“A regra não é tão clara assim”: quatro grandes eleitoralistas do Brasil discutem as controvérsias que permeiam o processo de registro de candidatura

Min. Admar Gonzaga, Marcelo Ribeiro, Luiz Fernando Casagrande Pereira, Gustavo Bonini Guedes, Amanda Klein

O debate iniciou a partir de uma exposição feita pela jornalista Amanda Klein, segundo a qual o Poder Judiciário vem ocupando um lugar de cada vez mais destaque na sociedade. Nesse cenário, o maior desafio da Justiça Eleitoral será a candidatura subjudice de Lula. Para a jornalista, “a regra não é tão clara assim”. Inevitável, portanto, analisar as incertezas que envolvem o processo de registro de candidatura sem adentrar no caso do ex-Presidente Lula.

O advogado Luiz Fernando Pereira alerta que o Brasil possui um sistema de registro de candidatura muito ruim – não encontrado em nenhum outro país do mundo. O processo de registro e sua deliberação ocorrem de forma concomitante ao período eleitoral, o que gera incertezas e instabilidade no pleito, ao se considerar o exíguo prazo de 45 dias da campanha eleitoral. Trata-se de um “sistema esquizofrênico”.

Pereira defende a possibilidade da modulação dos efeitos do art. 16-A da Lei 9.504/97 por meio das tutelas provisórias. No entanto, a modulação deve conviver de forma harmônica com o art. 26-C da Lei 64/90. Explica-se: a lei da ficha limpa antecipou o momento da eficácia da inelegibilidade para decisão colegiada – não mais necessitando haver trânsito em julgado, o que possibilitou que tribunais superiores possam suspender a inelegibilidade a qualquer tempo.

Ao redefinir a redação do art. 26-C, o legislador passou a exigir apenas a plausibilidade do direito, em detrimento da prova inequívoca. Ou seja, na lógica adotada, como o periculum in mora seria de grau máximo, a verossimilhança seria de grau mínimo. Desta feita, a partir desta redação do art. 26-C, a modulação de efeitos no art. 16-A resta comprometida, uma vez que a liminar de suspensão de inelegibilidade pode ocorrer até mesmo após a eleição, desde que antes da diplomação.

Adentrando na temática do possível pedido de registro de candidatura de Lula, o advogado Gustavo Guedes aponta que duas situações são claras: a de que, por um lado, Lula pode registrar candidatura e, por outro, ele será reconhecido como inelegível. Este será, com efeito, um grande teste para a legislação e as instituições pátrias.

Destacando que o Tribunal Superior Eleitoral possui posição clara no sentido de aplicação imediata dos efeitos de suas decisões, antes mesmo do julgamento de embargos de declaração, Lula estaria impedido de realizar atos de campanha logo que declarado inelegível pelo TSE. Ou seja, o art. 16-A estaria, a partir daí, condicionado à concessão de efeito suspensivo em sede de recurso extraordinário.

O ex-ministro do TSE Marcelo Ribeiro, por sua vez, concorda com Pereira com relação às críticas ao processo de registro de candidatura, uma vez que o encurtamento do período de campanha impossibilita o julgamento a tempo dos registros de candidatura.

Ribeiro tece críticas à decisão do STF no sentido de vedar que autoridades na linha sucessória da Presidência da República ocupem o cargo quando réus em ação penal – mesmo que sem condenação. A discordância ocorre porque o Presidente da República em exercício não pode ser processado por fatos não atinentes à sua função. Logo, se o presidente não pode ser afastado, qual seria a justificativa de afastar preliminarmente o sucessor?

Por fim, retornando ao caso Lula, o ex-ministro ainda levanta o questionamento sobre a possibilidade de um preso realizar atos de campanha, como a propaganda eleitoral, por exemplo. Não está claro se a lei de execução penal prevaleceria sobre a eleitoral.

Para o ministro Admar Gonzaga, do TSE, há uma concordância geral dos interlocutores sobre o tema, sendo que sua principal preocupação é o eleitor e, em última análise, a soberania popular.

Ele alerta que aquele que almeja o cargo de presidente deve compreender a importância dos impactos da disputa. “Não podemos brincar com o país. (…) Não contem comigo para fazer metade da população do Brasil ir à urna eletrônica para votar nulo”.

Ainda defendeu a possibilidade de indeferimento de ofício de registro de candidatura, mormente nos casos em que o próprio candidato traz uma prova de sua inelegibilidade – como uma certidão criminal positiva, por exemplo. Nesses casos, não haveria sequer a necessidade de amplo contraditório.

O ministro afirmou também que a atual jurisprudência do TSE implementa a eficácia imediata a suas decisões, pela qual, declarada a inelegibilidade, o candidato estaria afastado do pleito.

Ao fomentar o debate, Pereira considera que a posição de Admar Gonzaga e Gustavo Guedes, no caso Lula, ignora o art. 26-C da Lei 64/90, visto que não estão esgotadas as possibilidades de liminar no STJ e no STF. Aponta ainda que seria uma “saída heterodoxa” se o TSE passasse a adotar o indeferimento de ofício de registros de candidatura.

Cita, também, a impugnação à candidatura de Rui Pimenta (PCO) nas eleições presidenciais de 2006. Neste caso emblemático, mesmo com o registro indeferido pelo TSE, o candidato continuou participando do programa eleitoral até que o registro fosse julgado pelo STF.

De outro lado, Guedes atentou que em 2006 não havia a aplicação imediata das decisões pelo TSE. Declara, ainda, ser perigoso não haver contraditório na declaração de inelegibilidade. Com efeito, aponta como alternativa a adoção de um rito diferido – mais abreviado – em razão da importância do caso concreto. Não pode se admitir manobras para prolongar a duração do processo.

Ribeiro recorre à história da concepção do art. 16-A, o qual surgiu para defender candidatos considerados inelegíveis por conta de “teses estapafúrdias” do indevido afastamento da campanha eleitoral, para ressaltar o perigo na utilização de tutela de evidência com o objetivo de afastar candidatos do pleito. Restará ao TSE, portanto, solucionar estes desafios.

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Inelegibilidade aritmética e relativismo hermenêutico: a certeza eleitoral devastada

Diante de um conceito de inelegibilidade vazio, precisamos de mais previsibilidade e segurança

Adriano Soares da Costa

Adriano Soares da Costa iniciou afirmando que a única certeza que temos no direito eleitoral é que não temos certeza alguma. Nas discussões atuais, temas que deveriam ser recorrentes e fatos cotidianos dotados de significado intersubjetivo não estão na realidade prática. Isso por uma série de circunstâncias, mas principalmente porque não existe respeito às questões básicas que dão sentido à própria densidade normativa e que tornam o processo democrático previsível.

A dificuldade histórica do direito eleitoral, segundo Adriano, é que não existe uma legislação ou uma experiência normativa constante. Quando, enfim, se criou a Lei das Eleições, que visava a dar previsibilidade e estabilidade jurídica, prontamente houve mudanças pela própria jurisprudência do TSE, em um voluntarismo judicial muitas vezes imoderado.

Adriano equiparou a prática do direito eleitoral ao chamado jogo de tacará (ou katchanga), em que a regra vai sendo descoberta ao longo do tempo, até que, ao final, descobre-se que a regra é que não há regra nenhuma. E isso afeta a necessidade de se ter certeza, que é, segundo ele, uma normatividade intersubjetivamente partilhada.

É isso que confere sentido ao Direito, como fonte prescritiva da conduta humana. No entanto, no direito eleitoral, a realidade é curiosa, pois “se é possível dizer que o direito constitucional fica na antessala do manicômio, o direito eleitoral já está no playground”.

Não há sociedade possível sem estabilidade, que é aquilo que está posto em uma ordem de movimento previsível. Para Adriano, o direito eleitoral deveria existir para evitar que nos debates políticos tivéssemos o voluntarismo, o ‘eu acho que’. No entanto, não é isso que acontece.

Não há que se falar em inelegibilidade aritmética, vez que não se sabe nem o que é inelegibilidade. No artigo 41-A, por exemplo, tinha-se a discussão para tornar constitucional a inelegibilidade como sanção, mas, para salvar sua constitucionalidade, jogou-se fora o seu conceito e criou-se a cassação de registro, perdurando uma discussão vazia até o advento da Lei da Ficha Limpa, a qual também passou a ter a constitucionalidade de seus artigos discutida.

Como apontou Adriano, em um contexto em que tudo é tudo e nada é nada, não seria possível ter um sentido básico instrumental do direito eleitoral. E não se tendo um mínimo de previsibilidade e segurança com a ruptura dos sentidos vividos, a inelegibilidade serve para qualquer coisa, a qualquer propósito e pretexto.

Vive-se sob o clima da incerteza e da imprevisibilidade, em que a invenção virou lei. Contudo, Adriano afirmou que é fundamental que se tenha doutrina, reflexão e uma teoria com começo, meio e fim, para que os institutos não sejam “caixas de sapato vazias”, preenchíveis por qualquer tamanho. Mas essa discussão talvez esteja muito avançada: às vésperas da eleição, seria bom que se soubesse ao menos o que significa inelegibilidade.

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Presidente do VI Congresso Brasileiro de Direito Eleitoral: Luiz Fernando Casagrande Pereira

Presidente do Instituto Paranaense de Direito Eleitoral: Moisés Pessuti

Equipe de Relatores:
 Paulo Henrique Golambiuk, Maitê Marrez, Guilherme de Abreu e Silva, Isabel Arruda Quadros da Silva, Rafaele Balbinotte Wincardt, Emma Roberta Palú Bueno, Roberta Alves Pinto Guimarães, Wagner Luiz Zaclikevis, André Eiji Shiroma, Waldir Franco Félix Júnior, Caroline de Fátima Helpa, Eliane Bavaresco Volpato e Yasmin Brehmer Handar

Equipe de Comunicação: Luiz André Velasques, Nicole Wibe Silva e Carlos Eduardo Araujo