“A Constituição garante a defesa de todos os cidadãos, inclusive daqueles que não merecem nem o nosso apreço nem o nosso voto”. A análise é da advogada Eneida Desiree Salgado, professora do Departamento de Direito Público na Universidade Federal do Paraná, que falou durante um TED Alike sobre “Efeitos da operação Lava Jato na eleição de 2018 e a criminalização da política”.
Num discurso interrompido diversas vezes pelos aplausos do público, ela pontuou que hoje dois diferentes movimentos dividem o país: os chamados movimentos contra a corrupção e os em favor da democracia.
Embora ninguém se diga contra a corrupção nem contra a democracia, o primeiro grupo, aponta, defende posições que atacam o estado democrático de direito.
“O Brasil é uma República. No entanto, não é uma democracia ilimitada. Deixando claro: é uma democracia, mas é uma domesticada. Domesticada pela Constituição”, disse. Não é possível, por exemplo, que a pena de morte seja adotada no país, mesmo que a totalidade da população assim o deseje.
Da mesma forma, os poderes constituídos – prosseguiu – não podem atacar nem atingir as cláusulas pétreas da Constituição. Governos, Judiciário, Ministério Público, forças de segurança, precisam se submeter à Constituição, ainda que discordem de seus preceitos e regras.
“A Constituinte de 88 colocou os direitos fundamentais individuais, coletivos, sociais econômicos e políticos na porta da Constituição, e estes devem orientar a ação dos agentes do estado. E é aqui que os movimentos de combate à corrupção estão pecando”, analisou.
A jurista citou três exemplos de ataque aos direitos fundamentais e à constituição, por parte do “discurso moralista e moralizador” de tais movimentos: a Lei da Ficha Limpa (não exige transito em julgado, se aplica a fatos que sequer passaram pelo Judiciário, com os prazos são totalmente desproporcionais); as 10 Medidas Contra a Corrupção (preveem a possibilidade de que o magistrado decretar o transito em julgado mesmo que não haja transito em julgado, contra o contraditório e a ampla defesa); e a Operação Lava Jato (as coreções coercitivas eram claramente inconstitucionais, os pedidos de deferimento de prisões cautelares servem pressão para delação premiada, que também são eticamente questionáveis por não serem não publicitado). “Damos muito poder a órgãos que acabam com a isonomia e a transparência.
A busca pelo respeito do ordenamento jurídico, prosseguiu Eneida, deve se dar dentro do ordenamento jurídico. “Os efeitos da Lava Jato e demais operações não afeta apenas o direito político dos investigados; cria uma ‘caça as bruxas’ politica que não melhora a política – ao contrário, enfraquece a democracia. Sem falar nos pedidos de intervenção militar ou, como se inventou na República de Curitiba, a ‘intervenção constitucional militar’”.
Já os movimentos em defesa da democracia, lembra, procuram mostrar os riscos existentes ao estado de direito. “Esses movimentos também são contra todas as formas de corrupção – inclusive as usadas no combate à corrupção. É preciso defender a Constituição dos salvadores da Pátria porque é ela que nos defende dos agentes públicos e dos particulares e garante que os direitos serão respeitados”, disse.
“A constituição é a única saída, o resto é golpe – ainda que venha pela Liga da Justiça”, finalizou.