O debate sobre as eleições 2022 e os desafios no combate às violências política, de gênero e raça foi a temática do painel Diálogos neste último dia do VIII Congresso Brasileiro de Direito Eleitoral (CBDE), em Curitiba.
Composto por cinco mulheres, o painel teve a participação da ministra Maria Claudia Bucchianeri, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), da procuradora da república Nathalia Mariel e da assessora-chefe da Escola Judiciária do TSE Polliana Santos, sob curadoria e mediação da advogada Cristina Neves.
Cristina Neves abriu o painel ressaltado que as temáticas “gênero e raça” foram destaque durante o VIII CBDE, comentado no âmbito de representatividade democrática e de fala.
A ministra Maria Claudia Bucchianeri ressaltou o que, na sua visão, são os dois grandes desafios das eleições de 2022: o combate à desinformação e a superação do problema endêmico, sistemático e persistente da violência política de raça e de gênero no país.
A ministra destacou que há uma carga cultural que deve ser levada em consideração, apontando pontos como machismo e racismo estrutural, sendo o Brasil um país que é escravocrata e patriarcal em sua origem.
“O ambiente político ainda é, infelizmente, tóxico para nós mulheres”, afirmou Bucchianeri ao relembrar que expressões pejorativas ainda são muito frequentemente associadas às candidaturas femininas. “Como ela se veste? É casada com quem? Quem está cuidando do seu filho? São escrutínios mais sutis, mas que ainda perpassam esse movimento de avanço da mulher pela arena política”, ressaltou a ministra.
A ministra citou a criação da Lei 14.192, de combate à violência política contra as mulheres, e questionou “quem são as vítimas protegidas por esta lei?”. Segundo ela, as mulheres trans já estão protegidas por esta lei, mas o mesmo não se pode dizer, por exemplo, de um homem trans, um homem negro ou um homem com deficiência que sofram estes tipo de assédio.
“Criar uma cultura de combate à violência política não é simples. Esse é um desafio de todos e todas nós operadores do direito eleitoral, já que é um crime eleitoral”, concluiu a ministra.
Para a advogada Roberta Eugênio, “a violência política, especialmente a de gênero, é uma velha conhecida de todos nós”. Para provar, ela fez um resgate histórico dos casos de violência contra as mulheres no âmbito político, apresentando dados de uma pesquisa realizada com as prefeitas brasileiras sobre os principais obstáculos que elas encontravam na política por serem mulheres. Como resposta: falta de recursos de campanha, o desmerecimento de suas falas e o assédio e violência na política por ser mulher.
“Esse conjunto de dados traz um panorama de um tema muito conhecido, com a diferença que hoje, além da legislação existente, há um debate que aponta para as vítimas de violência política e para um problema complexo que nós precisamos nos conscientizar para criar contra pedagogias diante dessas violências”, afirmou.
A procuradora Nathalia Mariel comentou sobre a criação de um grupo de trabalho sobre o tema na Procuradoria-Geral Eleitoral, no final de 2021, e sobre as dificuldades de avançar nos debates sobre a violência política.
“O direito eleitoral nos permite um compartilhamento de responsabilidades muito amplo, não apenas o Ministério Público, mas também a sociedade civil, o poder judiciário e partidos políticos, que foi um dos elos de resistência que encontramos nos trabalhos do GT”, destacou Mariel.
A procuradora apontou ainda que os partidos políticos acabam por reproduzir o contexto de discriminação vivido na sociedade, a partir disso foram incluídas obrigações na legislação a fim de fazer com que os partidos estabelecessem, internamente, instâncias de recebimento e tratamento de denúncias de violência política de gênero.
“No final de 2021 isso foi oficializado para todas as agremiações partidárias, na época 33, para que ajustassem seus estatutos. Tivemos apenas uma resposta, os demais ignoraram”, relembra Mariel. Segundo ela, isso mostra de maneira muito clara qual é a vontade de fato de efetivar esse combate à violência política e de gênero.
Somos responsáveis umas pelas outras
“Essa responsabilidade compartilhada traz esse dever de cuidar para passarmos para um empoderamento. Empoderar não é só achar legal uma mulher chegar no poder, é pensar coletivamente. Eu consegui chegar lá? Certo. As demais não conseguiram? Em que contexto elas estão inseridas nessa violência?”, questiona a procuradora.
Polianna Santos, por sua vez, destacou que o papel da mulher quando consegue chegar no espaço político ainda ainda está longe se ser resolvido.
“Essa questão de se preocupar com uma maior participação da mulher na política não é um problema das mulheres ou dos grupos minorizados, é um problema de uma sociedade que se pretende democrática”, afirma Poliana.
Para a assessora-chefe da Escola Judiciária do TSE, há ainda os obstáculos da revitimização e as manifestações que, por mais simples que sejam, acabam se tornando um incômodo.
“Estar ali naquele lugar em que você é vista como intrusa, tudo é feito para te expulsar”, destaca.