Com menção a Ortega y Gasset, o ministro Luiz Edson Fachin, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e membro do Supremo Tribunal Federal (STF), proferiu uma conferência na manhã desta sexta-feira (3/6) no VIII Congresso Brasileiro de Direito Eleitoral. “A saúde das democracias, de qualquer tipo e grau, depende de um mísero detalhe técnico: o procedimento eleitoral. […] Sem o apoio de um autêntico sufrágio as instituições representativas pairam no ar”, citou depois de saudar os presentes e lembrar que urge salvar as circunstâncias da democracia. Fachin declarou que o que funda, de modo racional e sistemático, a confiança nas instituições é a força da Constituição e o respeito à soberania popular. “Almejamos que a única arma a servir de instrumento para o bem do Brasil seja o voto e o respeito pacífico a voz das urnas”, afirmou.
O ministro frisou que a democracia não pode ser praticada sem que se assegure que as instâncias de governo girem ao redor da liberdade de escolha das cidadãs e cidadãos, sem o que não caberia falar em soberania popular, e pontuou que o desenho constitucional, o fundamento da legitimidade das autoridades representativas é o consentimento expressado no voto. Para ele, fora desse contexto, toda reivindicação de autoridade constitui, em essência, uma conjuração retórica contra a forma libertária de organização social.
Em alusão às notícias falsas que rondam o ambiente eleitoral, Fachin lembrou que vivemos a era da pós-verdade, dentro da qual o valor inerente dos fatos, na esteira de um estado de descontentamento geral, resulta deprimido pela exploração antiética e sistemática da fadiga psicológica, em ordem a explorar os sentimentos negativos. “Esse tipo desarmonia se projeta nos dias correntes como uma hipertrofia entre essência e aparência”.
Fachin fez alusão a, Newton Sampaio, precocemente falecido aos 24 anos de idade em 1938. “Relembrar Newton Sampaio num evento sobre direito eleitoral aqui na Capital paranaense, nada obstante pareça ponte improvável, tem um explícito sentido: em sua obra, intensa embora não extensa, não raro as luzes deixam apenas para as sombras, para o acaso do segundo plano, aquilo que efetivamente ocorre e que escapa à evidência epidérmica. Assim escreve-se, como fez Newton Sampaio em sua novela intitulada Remorso, o roteiro de como chegar, de ruína em ruína, ao fim do chamado à razão”, destacou.
O Brasil de hoje, tal como o personagem daquela obra, parece não atender a esse chamado da razão, e por isso mesmo, não destoa dessa dualidade; de um lado, o êxtase dos vácuos nas redes sociais, dos nadas, dos zeros, dos discursos de ódio e das nugacidades, e no espargir de desinformação e notícias falsas sobre o processo eleitoral, as urnas eletrônicas e a justiça eleitoral; de outro, uma sociedade injusta, discriminatória e excludente que tem sido incapaz, por si, pelos seus representantes e por suas instituições, de dar cabo ao projeto de liberdade, de justiça e de solidariedade que edificou em 1988.
Para o ministro, o país tem diante de si um desafio que não conseguirá eclipsar: ou confere dignidade à legalidade constitucional como marco de defesa da institucionalidade, ou irá amargar, como que num remorso histórico, a redemocratização que custou, no concerto nacional, vidas e histórias para uma transição sem ruptura. “Os engenheiros do caos semeiam ameaças de quebra de institucionalidade. Cumpre resistir e defender as instituições”, recomendou, ressaltando ser notório que as narrativas falsas têm sido utilizadas para potenciar esse cenário, o que tem ensejado, em diversos países, a emergência de desafios e perplexidades relacionadas com a nostalgia do passado autoritário.
“A salvaguarda das instituições eleitorais é indispensável e não é um esforço inútil. Sem embargo, as razões para a vigilância estão quiçá desaprendidas, pelo que toca revisar, discutir, propagar. Os organismos eleitorais existem fundamentalmente para assegurar as funções patentes e latentes do voto; para garantir que as autoridades representativas não encontrem fundamento em si mesmas, mas na autorização dos governados; para que o poder político, de vez em quando, preste contas, enfrentando um juízo reservado aos cidadãos; para que o acesso ao poder esteja ao alcance de todas e todos; para que a disputa pelo comando do Estado se desenvolva em um marco de paz, friso, de paz. A Justiça Eleitoral, em última instância, afirma a exclusão da violência. É um remédio contra o jugo. É o que reserva às pessoas o status de dignidade cidadã”, declarou.
Em sua mensagem, o ministro destacou ainda que no caso brasileiro, o processo eletrônico de votação, reconhecido por especialistas como legítimo condutor da autenticidade do voto, e protegido por trinta camadas de segurança testadas e aprovadas sucessiva e reiteradamente, sem percalços, encontra-se no centro de teorias conspiratórias sem um fiapo de apoio na realidade. “A desinformação é de ser combatida com mais informação, e a credibilidade é um predicado que cresce, quando somado. Assim sendo, os organismos eleitorais e as pensadoras e pensadores do Direito e da Política devem reforçar a união, a atenção vigilante, rumo à certificação associada de pleitos isentos de fraudes, certos de que a instabilidade é um ativo pernicioso e contaminante”.
“A Justiça Eleitoral, dentro desse panorama, convida a comunidade jurídica a uma ativa vigilância, do processo eleitoral e suas circunstâncias, a favor do fortalecimento democrático e cultura constitucional em nosso país”, conclamou.