A representatividade nos espaços de poder foi tema do debate de encerramento do IX Congresso Brasileiro de Direito Eleitoral (CBDE), na manhã deste sábado (15/6), em Curitiba. Participaram da discussão a ministra Vera Lúcia Santana Araújo; a deputada federal licenciada Rosângela Gomes, a ela assessora-chefe de Inclusão e Diversidade do Tribunal Superior Eleitoral, Samara Pataxó; e a procuradora da República Caroline Helpa. A moderação ficou a cargo da advogada Nahomi Helena.

“É um orgulho muito grande estar com vocês com tão pouco tempo que tenho no Tribunal Superior Eleitoral, já diante das eleições municipais de outubro. A política é inerente ao cotidiano humano vai além dos marcos normativos das eleições. Mas queremos garantir eleições serenas, por maiores que sejam os embates da política”, disse a ministra.

Barreiras permanecem

“O Estado Brasileiro foi sempre o grande agente da exclusão. Até a Constituição, em 1988, as leis eram marcadamente racistas e ainda hoje são altos os níveis de opressão que experimentamos”, pontuou. “Infelizmente não temos o caminho pacificado para dizer que todas as meninas negras podem se tornar juristas negras. A história bem-sucedida é exceção. Continuamos com as mesmas barreiras e iguais dificuldades. Quero ser motivadora, mas tenho de ter os pés no chão. Não quero ser símbolo. Quero efetivamente uma nação plena em democracia racial. Façamos das eleições municipais uma grandiosa virada de chave com a eleição de pessoas que não maculem a nossa história”, completou.

Fator educação

Rosângela Gomes, licenciada como parlamentar por exercer atualmente o papel de secretária estadual de assistência social do Rio de Janeiro, falou sobre sua trajetória pessoal, destacando a infância difícil, como filha de pais dependentes de álcool. “Na escola eu fazia minha única refeição. Falo sobre isso para destacar o elemento perseverança e a importância da educação para mudar minha história”, contou.

A fluminense de Nova Iguaçu também falou de sua primeira eleição como deputada federal, em uma candidatura na qual o partido não apostava. O feito a transformou em agente de inclusão de mais mulheres na política. “Faço uma provocação ao CBDE: é preciso levar esse debate para dentro das escolas. Educação é tudo!”

Além dos modismos

Samara Pataxó fez sua apresentação destacando que nunca fala apenas por si, mas também pelos que a antecederam, por isso gosta de ostentar o cocar. “Aceitei o desafio no TSE para dar atenção aos grupos subrepresentados no processo eleitoral: indígenas, negros, quilombolas, população de rua. Aceitei o desafio, embora sem nenhuma familiaridade com o Direito eleitoral, que foi matéria optativa na minha graduação”, disse.

Em seus esforços, Samara diz ser algumas confrontada com a visão de sua atuação é pautada por um modismo. “Diversidade não é um tema da moda; é um tema democrático”, pontuou.

Direito à existência

Caroline Helpa abriu sua exposição lembrando dos tempos em que integrava a equipe de relatoria do CBDE. Em seguida, falou do seu trabalho para garantir direitos fundamentais em sua área de atuação, em Rondônia. “Não imaginamos que em rincões do Brasil há pessoas, há aldeias sem água potável”, frisou.

Para ela, quando se fala em cidadania e representação é preciso dar um passo atrás e garantir antes de mais nada o direito à existência. A procuradora descreveu situações em que o Ministério Público Federal precisa atuar para garantir os direitos mais básicos em lugares remotos e para mitigar dificuldades na proteção, por exemplo, de vítimas de violência doméstica. “Essas distâncias fazem com que os serviços do Estado não sejam prestados como deveriam. Como garantir igualdades de condições para a campanha eleitorais em lugares cuja visita depende de horas de trajeto de barco e nos quais vivem povos indígenas que não falam português? O exercício de cidadania nessas condições requer muito esforço”.

Pioneiras

Antes dos debates, uma performance teatral resgatou a história do Brasil para mostrar que o patrimonialismo patriarcal se faz presente no país desde 1.500. A coragem de Esperança Garcia, tida como a primeira advogada brasileira, e das pioneiras Myrthes Gomes de Campos, Walkyria Naked, e Maria Rita Soares de Andrade foi o ponto central da apresentação.

O “diálogo” das pioneiras, que apontou a caminhada das mulheres na luta pela representatividade, foi escrito por Cezar Britto apresentado originalmente na Conferência Nacional da Mulher Advogada promovida pela OAB, em março. A médica paranaense Zilda Arns também foi citada durante a apresentação, abrindo espaço para um apelo pelo cuidado com as crianças, representada no palco pela menina Manuela Silva.

O Congresso

Realizado a cada dois anos, o evento que faz de Curitiba a capital nacional do direito eleitoral, é promovido pelo Instituto Paranaense de Direito Eleitoral (Iprade), pelo Instituto Brasileiro de Direito Eleitoral (Ibrade) e com o Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep). Nos quatro dias da nona edição, o evento contou com aproximadamente 2 mil participantes, mais da metade deles presencialmente.