Olhemos para o seguinte quadro: partidos sem coerência interna e um sistema proporcional que gera um multipartidarismo sem precedentes, o que faz com que as siglas não tenham bandeiras nacionais e sejam altamente segmentadas, sem qualquer projeto de Nação. As lideranças partidárias são consideradas incompetentes ou corruptas. O parlamento é disfuncional. E o Executivo é fraco, sem condições de se defender dos ataques que sofre. Resultado: uma descrença cada vez maior nos partidos e na própria política em si.
Esta descrição poderia perfeitamente se tratar do Brasil em 2018, mas na verdade data de 1927 – o texto é de um professor da Universidade de Berlim, relatando a realidade na então República de Weimar (como foi chamada a Alemanha após a Primeira Guerra Mundial, em 1919). Seis anos depois desta análise surgia a solução “não-política” para a política alemã: a Nacional Socialista.
O quadro foi apresentado pelo ministro do Tribunal Superior Eleitoral, Carlos Horbach, durante o debate “Autonomia dos partidos políticos: as últimas alterações legislativas e decisões judiciais acertaram na dosimetria da interferência?”, no VI Congresso Brasileiro de Direito Eleitoral.
Ao transportar esse cenário para o Brasil atual, analisou o ministro, notamos que a situação é calamitosa aqui como era há quase 100 anos na Alemanha.
Para ele, a autonomia partidária deve existir e ser respeitada, mas desde os partidos sejam estruturados a partir do princípio da defesa dos direitos fundamentais da pessoa humana. “Olhando desta forma, a autonomia partidária passa a ser não um bem em si mesmo, mas um instrumento da democracia partidária e da defesa das direitos fundamentais. Quando é usada como estudo para praticas autoritárias, sexistas, questionáveis, a autonomia perde sua essência, sua razão de ser”. Dentro deste quadro, avaliou, a atuação da justiça eleitoral deve ser de vigilância.
A advogada Marilda Silveira, que participou do mesmo debate, lembrou que os partidos políticos não passam por uma crise apenas no Brasil. “Os partidos são a instituição com menor grau de confiança no mundo todo”, disse.
Para ela, no Brasil a autonomia funciona como uma blindagem para a ação dos partidos. “Há que se ter limites nessa autonomia. Não tenho problemas com partidos terem regras que eu pense que são ruins, mas as pessoas que dependem da partidária precisam ter o poder de escolha. Os partidos têm o monopólio das candidaturas, ou seja, minha escolha passa necessariamente por eles. Não posso deixar na mão deles decisões que interessam a toda a sociedade. Minha escolha como eleitora e cidadã passa pelos partidos”, analisou.
Para outro dos debatedores da conferência, o advogado Ruy Samuel Espíndola, os partidos precisam se organizar democraticamente. “A organização interna do partido político precisa se espelhar na Constituição. Seria um paradoxo se a base da democracia não obrigasse os partidos a serem democráticos e obrigados a respeitar os filiados, diretórios municipais, estaduais e nacionais. Para que haja democracia interna é preciso que haja uma compreensão dos procedimentos e processos partidários”, disse.