A aplicação de sanções e consequências a mulheres legitimamente eleitas em função de fraudes e descumprimento da cota feminina pelo partido ou coligação foi abordada no primeiro debate do Congresso Brasileiro de Direito Eleitoral (CBDE), nesta quarta-feira (12). O tema “Cassação das mulheres eleitas x cassação de todos os eleitos: seria um contrassenso democrático retirar mulheres como consequência da ação afirmativa?” foi de debatido pela professora de direito eleitoral Raquel Ramos Machado e pelo assessor de ministro Nunes Marques no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), William Akerman. Bianca Maria Gonçalves e Silva atuou como moderadora.
Raquel trouxe uma reflexão sobre a atual jurisprudência, que aplica a sanção por fraude a todos os integrantes do Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários (DRAP). “Mais difícil para as mulheres do que entrar na política é entrar e permanecer”, disse a professora, que também lembrou das dificuldades seculares relacionadas à divisão do trabalho e aos estereótipos de gênero.
A debatedora pontuou que tem sido muito difícil concretizar a ação afirmativa para mulheres na política, porque depende de uma pessoa jurídica de direito privado, no caso os partidos. Além disso, por muito tempo não havia uma sanção para o descumprimento da cota de gênero, até que houve o entendimento de que poderia ser aplicado o artigo 22 da Lei de Inelegibilidades.
Em 2019, a partir do julgamento do caso de Valença do Piauí (PI), o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) estabeleceu que a fraude à cota de gênero derruba toda a coligação ou partido. Raquel critica essa medida pois resulta na cassação inclusive de mulheres que não tiveram candidaturas fraudulentas. “A jurisprudência criou uma arquitetura que expulsa as mulheres da política. Dizem que todo voto importa. Mas será que o voto das pessoas que votaram nessas mulheres importou?”, questionou. “Será que estamos construindo uma cultura de respeito às mulheres que fizeram campanha?”, acrescentou.
Contraponto
Akerman afirmou que a Justiça Eleitoral tem lançado olhar mais atento à igualdade e às demandas sociais. Segundo ele, há um processo de “igualização dinâmica”. “É preciso transpor para a fotografia do poder essa nossa face diversa da brasilidade”, afirmou.
O assessor judiciário explicou que, para que seja configurada fraude eleitoral é preciso que, além da candidatura fictícia, não seja atendida a cota de gênero de função da fraude. “Candidatura fictícia não é suficiente para configurar fraude”, sintetizou Akerman, que também é defensor público do Rio de Janeiro. Ele reconheceu a necessidade de aperfeiçoar o atual modelo.
A inelegibilidade é a sanção pela fraude, segundo explicou o debatedor, que atinge dirigentes partidários, mesmo que não candidatos. A cassação do registro do mandato seria uma consequência dessa sanção e não a punição em si.
Para Raquel, além da análise dos efeitos processuais, é preciso observar os resultados práticos. “Criamos uma teoria jurídica burocrática, que despreza a vida por trás do documento. É um contrassenso na prática, ao atingir pessoas que não estão ligadas ao documento [DRAP]”, argumentou, apontando as decisões relacionadas ao assunto como padronizadas e previsíveis.
Perspectivas
Akerman explicou que, para o TSE, haver uma única mulher eleita não é critério para preservar todo o Drap, pois pode estimular os partidos a mesclarem mulheres com real potencial e outras de candidatura fictícia.
O assessor do TSE mencionou ainda que há um caso em perspectiva de julgamento que vai analisar a situação de uma candidata que por si só atingiu o quociente eleitoral. “Não há como cassar o mandato da mulher que reúne por si votação para ser eleita”, opinou.
Os debatedores concordaram que, além da cota de candidaturas, deveria haver uma cota de gênero de cadeiras. “Seria a consagração do direito fim. Do ponto de vista dogmático e até político, seria o ideal. Talvez a lista fechada fosse a solução”, concluiu Akerman.